“O Silêncio dos Algoritmos – A nova linguagem da Dor Digital” – Por Mauro Oliveira

Mauro Oliveira é PhD em Informática por Sorbonne. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “O Silêncio dos Algoritmos – A nova linguagem da Dor Digital”, eis artigo de Mauro Oliveira, professor do IFCE e PhD em informática por Sorbonne University. Ele aborda a temática da série “Adolescência”. 

Confira:

Jamie Miller tem 13 anos. É calado, retraído, vive entre quatro paredes iluminadas pelo azul de uma tela, ou vagando pelos corredores da Escola com um celular na mão e o mundo nas costas.

Jamie é um sintoma evidente do atraso de uma Escola perdida em seu tempo.

Poderia ser seu aluno. Meu aluno. Nosso filho. Mas, na série britânica “Adolescência”, da Netflix, Jamie não é apenas um adolescente em crise. Ele é o espelho trincado de uma geração hiperconectada, solitária e moldada, em silêncio, pelos algoritmos.

Em apenas quatro episódios sufocantes, a série, dramática e realística, nos lança no epicento do caos: o dia em que Jamie é preso, acusado do assassinato de uma colega da escola.

A partir daí, algo parece nos arrastar para dentro do pesadelo: de um lar aparentemente comum até a frieza do sistema judiciário, onde tudo é mostrado sem alívio, sem pausa, sem respiro … como o crescimento doloroso de tantos adolescentes largados à própria sorte nas periferias.

Jamie, como tantos outros jovens, talvez alguns de nossos filhos sem o sabermos, encontra refúgio em fóruns sombrios da internet, onde a misoginia é travestida de fraternidade. Ali, ele é ouvido, acolhido, compreendido … na ausência pedagógica e protocolar da Escola.

Não foi numa sala de aula que Jamie aprendeu a desconfiar das mulheres. Não foi numa palestra sobre cidadania que ele formou sua visão de mundo. Foi online. Foi sozinho. E foi real.

É aí que o bicho pega.Enquanto a escola preenche formulários e dá conta de planos de aula, o algoritmo está educando. Está formando caráter. Está doutrinando.

E se você acha que é exagero, experimente perguntar a qualquer jovem quantas horas por semana ele passa em salas de aula e quantas no TikTok, no YouTube ou em outros canais tresloucados … sem eira nem beira existencial.

A série “Adolescência” não é um drama. É um alerta. Um soco no estômago da pedagogia cega.

A série nos obriga a perguntar: onde estamos quando nossos jovens mais precisam?

Mais que um caso policial, Jamie é uma pergunta urgente: estamos preparados para educar jovens que vivem num mundo paralelo, onde o “like” vale mais que o boletim, e o ódio vem disfarçado de pertencimento?

A verdade crua é nua é que estamos defasados de nossos jovens. Estamos fora do compasso da vida digital que já está ficando caduca, sendo engolida por uma nova era quântica… e a escola, coitada, ainda nem percebeu. Continua tratando sintomas, enquanto ignora a infecção.

A Escola também não percebeu a revolução da web que desmontou o velho mito do “caderninho do professor”, aquele que, trancado a sete chaves, guardava todos os segredos do universo. Muito menos enxergou o tsunami pedagógico camuflado nas redes sociais, que hoje fazem as vezes de sala de aula, palco, confessionário … e, no caso de Jamie, tribunal.

A escola está perdida num futuro que já chegou, puxado a reboque pela Inteligência Artificial. Ainda não levou a sério o mundo digital como território pedagógico, afetivo e formativo. Fala em inovação, mas mal sabe o que é letramento digital.

Nossos jovens estão adoecendo no silêncio digital. E o remédio não pode ser apenas Wi-Fi no campus ou uma palestra protocolar sobre cyberbullying. O que eles precisam é de escuta ativa, presença real, intervenção consciente e formação crítica que vá além dos muros da escola.

Jamie Miller poderia estar na sua escola. Na minha sala de aula. No seu grupo de família. E talvez… já esteja. Mas será que estamos enxergando?

E você aí? Consegue largar o celular por um instante e me responder com sinceridade:

_Está mesmo prestando atenção no silêncio dos algoritmos, essa nova linguagem da dor que ecoa entre tantos jovens perdidos num mundo digital paralelo?_

Beleza. Pode voltar agora pro seu silêncio digital.

*Mauro Oliveira

Professor do IFCE e PhD em Informática por Sorbonne University.

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