Com o título “O sucesso da barbárie autorizada pelo evangelizador”, eis a coluna “Fora das 4 Linhas”, assinada pelo jornalista Luiz Henrique Campos. “O mais grave é que essa celebração da violência parte de um governador que construiu sua trajetória pública se apresentando como cantor religioso, como alguém que pregava valores cristãos e de evangelização. O contraste entre o discurso e a prática é chocante”, expõe o colunista.
Confira:
A recente operação policial no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 121 pessoas, não pode, sob hipótese alguma, ser tratada como algo normal ou aceitável. A tragédia, apresentada pelo governo estadual como um “sucesso”, revela a brutalidade com que o Estado tem tratado parte de sua própria população. Não há vitória quando o saldo é de corpos amontoados, famílias destruídas e uma comunidade inteira mergulhada no medo. A retórica do combate ao crime não pode servir de cortina para justificar o extermínio de cidadãos, independentemente de quem sejam.
O mais grave é que essa celebração da violência parte de um governador que construiu sua trajetória pública se apresentando como cantor religioso, como alguém que pregava valores cristãos e de evangelização. O contraste entre o discurso e a prática é chocante. O homem que antes falava em fé e amor ao próximo, hoje defende operações que transformam o morro em campo de guerra e tratam a morte como estatística. Isso não é fé, ao contrário, trata-se de hipocrisia travestida de moralidade.
O apoio de parte da sociedade a esse tipo de ação mostra o quanto a cultura da violência já se naturalizou. Esquecem-se de que essas regiões, onde a tragédia ocorreu, são territórios abandonados há décadas pelo próprio Estado. Ali faltam escolas, saúde, saneamento e oportunidades, mas sobram fuzis e helicópteros blindados. A ausência histórica do poder público abriu espaço para o domínio do crime, e agora o mesmo Estado volta a esses lugares apenas para matar.
As imagens dos corpos deixados no matagal, recolhidos às pressas e tratados como lixo humano, são um retrato cruel do desprezo pela vida. É impossível assistir a essas cenas sem perceber o abismo moral de uma nação que se acostuma com a barbárie. E quando líderes políticos, travestidos de portadores da palavra de Deus, justificam ou minimizam o horror, tornam-se falsos profetas, pois utilizam a fé não como instrumento de compaixão, mas como ferramenta de poder.
Ainda mais revoltante é ver o governador tentar dividir responsabilidades com o governo federal, numa tentativa de escapar da própria incompetência. O mesmo que acusa Brasília de omissão é aquele que se opõe à PEC da Segurança, proposta pelo Ministério da Justiça para fortalecer a atuação federal no combate ao crime organizado. A incoerência é evidente: recusa a cooperação institucional e depois culpa o outro lado pelo caos. O que se viu no Rio não foi segurança pública, foi uma tragédia humana, um colapso ético e um retrato fiel de como o Estado brasileiro continua escolhendo quem pode viver e quem pode morrer.
*Luiz Henrique Campos
Jornalista e titular da coluna “Fora das 4 Linhas”, do Blogdoeliomar.