Com o título “O Tarifaço e o Custo Brasil da Cidadania do Consumo”, eis artigo de Victor Missiato, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie, doutor em História e analista político. “O recente imbróglio envolvendo o governo americano e o governo Lula revela uma disputa entre potências pelo controle do escoamento de matérias-primas fundamentais para seus desenvolvimentos. Da Groenlândia à Patagônia, tanto China quanto Estados Unidos desejam controlar canais, minerais, estradas e indústrias alimentícias que permitam manter seus principais parques industriais”, expõe o articulista.
Confira:
No final da década de 1980, o Brasil se despedia dos anos de chumbo do Regime Militar e acompanhava uma transformação radical no processo de globalização. No mesmo ano em que o país voltava a eleger um presidente, o Muro de Berlim ruía do dia para a noite, literalmente. Após 50 anos de “modernização conservadora” (1930–1980), conforme a expressão do saudoso sociólogo Luiz Werneck Vianna, um novo Brasil nascia.
Naquele período, tanto Lula quanto Collor, candidatos à Presidência no segundo turno de 1989, defendiam um novo projeto de desenvolvimento nacional, afastando-se da tradição nacional-estatista. Lula pregava a valorização profissional e financeira do trabalhador, enquanto Collor enfatizava a abertura comercial e a liberalização da economia. Apesar das diferenças programáticas, um fio condutor unia as duas candidaturas: o acesso ao consumo como projeto social.
Quase 40 anos depois, Lula está em seu terceiro mandato presidencial, tendo concorrido em todos os pleitos possíveis, com exceção da década de 2010. Nesse período, não houve uma transformação estrutural na forma como a política econômica se apresentou aos cidadãos. Com exceção da fracassada política da Nova Matriz Econômica, liderada pela ex-presidente Dilma Rousseff, todos os presidentes se esforçaram para que o consumo do cidadão brasileiro jamais fosse abalado.
Juros altos, combate à inflação e câmbio flutuante tinham como objetivo relacionar superávit primário ao poder de compra da população. Essa tendência permaneceu firme até a crise de 2008, quando o chamado boom das commodities colocou nosso projeto de país no divã. A partir daquela conjuntura, tornou-se insustentável manter a dívida pública estável sem uma série de políticas reformistas. Nos últimos 15 anos, o que se viu foram tentativas frustradas de conter o gasto público em detrimento de uma política de investimento produtivo e industrial.
Consumista, gastador e irresponsável, o Brasil foi perdendo a capacidade de gerenciar suas crises econômicas e de lidar com as transformações globais. Salvo raras e fundamentais exceções, como o agronegócio e algumas empresas, como a Embraer, nosso capital ficou retido na capacidade de movimentar uma economia de baixa produtividade e alto consumo. Sem poupança e sem investimento, ficamos à mercê de tempestades geopolíticas como a crise da COVID-19, o apetite chinês e a resposta da sociedade americana com a vitória de Donald Trump.
O recente imbróglio envolvendo o governo americano e o governo Lula revela uma disputa entre potências pelo controle do escoamento de matérias-primas fundamentais para seus desenvolvimentos. Da Groenlândia à Patagônia, tanto China quanto Estados Unidos desejam controlar canais, minerais, estradas e indústrias alimentícias que permitam manter seus principais parques industriais.
Ao sermos taxados em 50% sobre produtos a serem exportados, deflagra-se uma condição especial em nossa economia, que não consegue competir minimamente com a indústria mundial de alto valor agregado, como nanotecnologia, inteligência artificial, tecnologia militar, entre outros. Cada vez mais informais e sem uma base sólida para a cultura do empreendedorismo, passamos a compor um novo estado de dependência econômica.
Nesse estado, um novo tipo de imperialismo se aproxima silenciosamente. Sem levantar canhões nem disparar mísseis, a economia primária brasileira passa a ser dependente de um poder que não exporta ideologia, mas sim um capitalismo de caráter primitivo, que monopoliza o comércio nas pequenas cidades, controla o fluxo de mercadorias nos grandes centros e arremata todos os nossos leilões. Trata-se de um imperialismo “TikTok”, que nos aliena sem reproduzir tal processo em seu lugar de origem.
*Victor Missiato
Professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie, doutor em História e analista político.