“O trágico fim de Pinto Madeira, o amigo do rei” – Por Barros Alves

Barros Alves é jornalista e poeta

“Pinto Madeira, monarquista convicto e defensor da restauração absolutista, acreditava lutar pela ordem e pela fidelidade ao trono. Porém, foi traído pela própria monarquia que pretendia proteger”, aponta o jornalista e poeta Barros Alves

Confira:

Há alguns meses recebi um presente daqueles que muito me agradam. O editor e bibliófilo Adriano de Carvalho Duarte, agradou-me sobremodo ao colocar em minhas mãos um exemplar de obra biográfica que não pode passar sem um breve comentário. Trata-se do livro “O amigo do rei: julgamento e assassinato de Joaquim Pinto Madeira”, uma vigorosa reconstrução histórica e literária de um dos episódios mais sombrios e reveladores do Império brasileiro: a revolta e o fuzilamento do coronel cearense Joaquim Pinto Madeira, em 1834. A obra, ao entrelaçar narrativa documental e reflexão crítica, devolve voz a uma personagem por muito tempo marginalizada pela historiografia oficial e pela memória nacional, até mesmo na região teatro dos fatos dos quais ele foi protagonista. Em Fortaleza há uma rua com o nome dele, mas que um pouco conhecido Torres Câmara abocanhou-lhe mais da metade.

O autor desse excelente estudo ensaio biográfico é o advogado Heitor Feitosa, também historiador perspicaz e investigador de fatos passados dotado de faro felino. Ele já presidiu o Instituto Cultural do Cariri-ICC, e se firma como escritor de nomeada. Para construir a biografia de Pinto Madeira, Heitor Feitosa empreendeu pesquisa rigorosa à qual adicionou uma linguagem envolvente, que não se limita apenas a recontar a sequência de fatos que levaram Pinto Madeira do prestígio de líder regional ao suplício da execução pública. Ele investiga, sobretudo, o ambiente político e moral do Ceará e do Brasil nas primeiras décadas do século XIX, marcadas por instabilidade, lutas de poder e a tensão entre o centralismo monárquico e as aspirações autonomistas das províncias.

Decerto não erraremos se afirmarmos que “O amigo do rei”, carrega ironia e densidade simbólica. Pinto Madeira, monarquista convicto e defensor da restauração absolutista, acreditava lutar pela ordem e pela fidelidade ao trono. Porém, foi traído pela própria monarquia que pretendia proteger. Seu destino trágico, transformado em espetáculo de punição, revela as contradições do Império nascente e o caráter seletivo da justiça de então. Até parece que no Brasil de hoje a história se repete. E, por agora, como farsa e como tragédia. Ou mesmo, em face do que vemos em altas cortes, repete-se como tragicomédia.

Mas, voltemos à vaca fria. O mérito maior do livro está na maneira como o autor consegue conciliar rigor histórico e sensibilidade narrativa. Os autos do processo, as cartas, as crônicas da época e os depoimentos se transformam em matéria literária, sem perder a fidelidade documental. A escrita é sóbria, mas ao mesmo tempo carregada de indignação moral, uma indignação que não é panfletária, e sim humanista. Pinto Madeira surge como uma figura complexa: herói para uns, traidor para outros, e, acima de tudo, vítima das forças políticas que esmagavam indivíduos em nome da ordem.

Além do interesse histórico, a obra propõe uma reflexão sobre o uso do poder e a manipulação da justiça, temas que atravessam o tempo e encontram ressonância no presente. Ao revisitar o julgamento e o assassinato de Pinto Madeira, o autor questiona como a memória oficial é construída e como certos episódios são silenciados por não se encaixarem nas narrativas triunfalistas da nação sob a vontade efêmera de governos que se autoinvestem de proprietários do Estado e do próprio povo.

Enfim, em meu modesto entendimento, o livro de Heitor Feitosa é mais do que uma biografia trágica de uma personagem dotada de ímpar idealismo; a obra configura uma meditação sobre o Brasil e suas repetições históricas. A leitura deixa no leitor uma sensação amarga e lúcida: a de que, em muitas épocas, a lealdade e a coragem podem ser recompensadas com a morte; e que o poder, disfarçado de justiça, continua sendo um dos grandes dramas de nossa história política.

Barros Alves é jornalista e poeta

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