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“Odete Roitman e seu novo mistério: sobre (des)valores e um vale-tudo real” – Por Valdélio Muniz

Valdélio Muniz é jornalista. Foto: Divulgação

Com o título “Odete Roitman e seu novo mistério: sobre (des)valores e um vale-tudo real”, eis artigo de Valdélio Muniz, jornalista, analista judiciário (TRT-7ª), mestre em Direito Privado, professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Fadat e membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC). “Mas, será que o fato de a “nova” Odete (diferente sob certos aspectos daquela interpretada pela saudosa Beatriz Segall, falecida em 2018, aos 92 anos) ter, indiscutivelmente, alguns traços de bom humor, sinceridade (por demais cortante e caricaturesca) e esporádicas demonstrações (ainda que peculiares) de algum afeto é suficiente para se sobrepor a todas as maldades que continua fazendo parte da trajetória da personagem (e promete piorar nesta reta final).

Confira:

Trinta e sete anos depois de sua primeira versão que foi sucesso de público e de crítica na televisão brasileira, a novela “Vale Tudo”, no ar em nova versão às 21 horas, traz consigo um mistério,
arrisco dizer, que transcende a autoria do assassinato de sua protagonista (a se repetir nos próximos dias): por que Odete Roitman, a despeito de todas as suas graves maldades praticadas no folhetim global, tem conquistado, nas redes sociais, admiração maior do que qualquer repulsa? Antes de qualquer prejulgamento sobre este artigo, esclareço que ele não é propriamente sobre novela, mas o compartilhamento de uma reflexão (sem pretensão de oferecer respostas) que “Vale Tudo”, como de certo modo também fez em 1988, tem despertado sobre a sociedade
contemporânea, suas carências e (des)valores.

Pois bem. No final de julho último, o colunista de TV André Romano, do Portal O Tempo, revelou que uma pesquisa qualitativa realizada pela própria emissora da família Marinho apontou, para surpresa de muitos, a personagem vivida nesta nova versão pela atriz Débora Bloch como a mais marcante e admirada da trama. (PS: Antes que me perguntem, sim, eu tenho assistido!). Sim. A mais admirada não é Raquel, antes interpretada por Regina Duarte e, desta vez, uma mulher negra vivida pela brilhante Taís Araújo, que mantém o perfil de guerreira, corajosa e, sobretudo, honesta e fiel aos seus princípios. Também não foi a Tia Celina (Malu Galli) a mais votada, apesar de sua meiguice e dedicação à criação dos sobrinhos (filhos de Odete). Uma das principais teorias (razões) difundidas por especialistas em teledramaturgia sobre esse fenômeno que tem transformado Odete Roitman de vilã (em 1988) a Rainha (em 2025), como alegado no canal do Vannucci, é a interpretação conferida à personagem por Débora Bloch. De fato, Bloch tem uma carreira de grandes passagens pela comédia (como no TV Pirata, 1988-1992, em que ela, entre outros papéis, já dava corpo a Déborah Roitman, talvez um prenúncio?) e por outros perfis, como as duas vezes em que deu vida à Deodora, em Mar do Sertão (2022/2023) e No Rancho Fundo (2024), e a inesquecível Ana Machadão, de Cambalacho (1986), entre outros.

Mas, será que o fato de a “nova” Odete (diferente sob certos aspectos daquela interpretada pela saudosa Beatriz Segall, falecida em 2018, aos 92 anos) ter, indiscutivelmente, alguns traços
de bom humor, sinceridade (por demais cortante e caricaturesca) e esporádicas demonstrações (ainda que peculiares) de algum afeto é suficiente para se sobrepor a todas as maldades que
continua fazendo parte da trajetória da personagem (e promete piorar nesta reta final)? Ao longo de suas aparições, a personagem já deu inúmeros maus exemplos: 1) expôs execrável comportamento racista ao se referir a Raquel como “gente da sua cor” (e isso não se exime agora, pelo fato de ter nomeado sua secretária Consuelo, vivida por Belize Pombal, como diretora da fictícia empresa TCA) e ao tentar afastar do neto Tiago (Pedro Waddington) a jovem namorada negra Fernanda (Ramille Xavier); 2) tentou assassinar (e o fará novamente nestas últimas semanas) o ex-genro (dizem que isso não existe!) Marco Aurélio (Alexandre Nero); 3) esconde há mais de doze anos o filho Leonardo (Guilherme Magon) sob os cuidados de t erceiros, em cadeira de rodas, deixando a família acreditar que ele foi morto em acidente de carro; 4) permite que a filha Heleninha (Paolla Oliveira) se entregue ao alcoolismo carregando a culpa pelo acidente que supostamente vitimou o irmão (pois, em verdade, não era ela que estava na direção); 5) sabe, após ter providenciado exame, que Leonardo guarda total compatibilidade para salvar a vida do irmão, Afonso (Humberto Carrão), acometido de leucemia, mas continua escondendo-o de todos; 6) fez publicar na imprensa fotos da filha embriagada para responsabilizar o namorado da irmã Celina, Estéban (Caco Ciocler), e provocar o fim da relação; 7) utiliza-se, com frequência, da fortuna que dispõe para angariar parceiros em suas armações e comprar o silêncio de quem pode denunciá-la; 8) casou-se com César Ribeiro (Cauã Reymond) e com ele continua, sabendo que foi amante de Maria de Fátima (Bella Campos), quando esta era esposa do seu filho Afonso, e parceiro dos golpes que ela tramava, e participou do furto a um quadro (pintura) produzido pela filha Heleninha; 9) não desperdiça oportunidade de alfinetar a pobreza e esnobar seu país.

Enfim, a lista poderia se estender, mas já é o bastante para que nos perguntemos: até que ponto realmente “vale tudo” relativizar tantos desvalores? O que tamanha aprovação a Odete fala, afinal, de nós mesmos? Ou será tudo preciosismo, pois a arte em nada imita a vida (e vice-versa)?

*Valdélio Muniz

Jornalista, analista judiciário (TRT-7ª), mestre em Direito Privado, professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Fadat e membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC).

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

Ver comentários (2)

  • Parabéns pela corajosa opinião.
    Também fico me perguntando qual o sentido dessa reprise?
    Qual a mensagem que essa novela passa ao público?
    Em termos de Administração, Contabilidade e Auditoria a empresa deveria ser um fracasso mas é apresentada como uma potência.
    Em termos de valores morais praticamente nada acrescenta exceto a luta da Raquel para mostrar valores corretos.
    Qual o sentido em mostrar uma mulher que conquista amantes a todo instante?
    Qual o sentido em mostrar uma mulher que não demonstra qualquer afeição aos filhos?
    Qual o sentido em mostrar a filha de Raquel que também pisa até no pescoço da mãe?
    Mas toda novela é assim: os vilões aprontam em todos os capítulos e somente no último sofrem algum pequeno castigo e no caso da Odete a morte será um prêmio para ela, que deveria pagar em vida e por longos anos tanta crueldade.

    Que termine logo essa novela!

  • Professor Valdélio e seus artigos cada mais empolgantes de ler.

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