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“One more man gone”

Norton Lima Junior é jornalista

Escrevi essa frase: “Não senti vontade de escrever nada sobre a morte do Ricardo Palhano”. E as palavras foram chegando e sempre bem-vindas, tratadas com admiração, terminaram por escrever esse texto.

Na semana passada soube pelo jornalista Felipe Muniz, da família Palhano, da saúde do tio — tratava um CA e teve uma parada cardíaca na Otoclinica. Avisei aos amigos comuns, meus e do Ricardo, Donizete Arruda, Danilo Forte, Luiz Girão e Coronel Gondim, da gravíssima situação e do momento de especial solidariedade.

Conheci Ricardo Palhano através do jornalista Dorian Sampaio, um dos ícones do jornalismo cearense e um dos meus pais simbólicos. Ele era unha e cutícula com Dorian Sampaio Filho. E muita gente boa falava da personalidade dele — Paes de Andrade, Iranildo Pereira, Julieta Bronté, Flávio Torres, Juarez Leitão, Frederico Lustosa, Fernando Maia, Macário Batista.

Naquela época, as redes sociais eram presenciais e apenas em solenidades e esticadas, estaríamos onde estavam as notícias. Nos pontos de encontro da notícia, sempre o encontrava. E assim nossa conversa evoluiu para a parceria que culminou na reforma gráfica e editorial d’O ESTADO — então de 12 páginas, duas cores, fotos P&B, sem IVC e sem papel estocado.

Estávamos no 3º governo anti-cearense do perseguidor Tasso Jereissati. E também do jornalismo arrogante do finado Democrito Dummar.

Ambiente irrespirável, tudo abafado, dominado, com notícias fora de circulação. Quem não estivesse curvado, estava fora. Eu estava fora, mas não estava por fora. Enxerguei n’O Estado o espaço onde poderíamos fazer a contrapropaganda à mentirosa propaganda oficial.

Fui lá e encontrei Ricardo esticado no sofá onde seu pai morreu e na sala empoeirada de fumaça de cigarros Carlton, usando apenas o que tinha, comecei a desenhar a trincheira de papel.

Enquanto desenhava, por várias vezes, saltou a imagem do Ricardo ao lado do seu pai, Veneloius Xavier Pereira na FIEC.

Venê foi delegado de polícia e virou dono de jornal. Comprou em 1963 o jornal do PSD e expôs todos os escândalos narrados em boletins de ocorrência policial. A sociedade não gostou e botou pra quebrar o espelho.

Falassem o que falassem do Venê, Ricardo ficou ao lado dele. Foi quando naquela noite vi o bom filho, que respeitava e honrava o pai “amaldiçoado” pela virtude da necessária coragem de dizer.

Venê morreu atirando, diferente do meu pai, que morreu calado por causa do assenhoramento da coisa pública — que Venê denunciava e que eu e meu irmão Ricardo apertamos as mãos dispostos a denunciar.

Atirávamos de baladeira, mas fizemos bonito, mesmo com uma rotativa caindo aos pedaços. Esgotamos edições. Escândalos ganharam manchete: BEC e BNB; aditivos do Metrofor; mortos da dengue; dispensas de licitação; cemitério de fetos; estatísticas fraudadas; pesquisas compradas; e a crônica dos BO da civilização do couro que nem o algodão civilizou.

Bem, jornalismo é oposição. Fomos juntos até onde pudemos. Sempre será difícil para qualquer jovem entender a fábula da palmatória do mundo. E assim, cada um foi colher suas respectivas tempestades.

Uma frase minha ficou no jornal do “escravo da liberdade” — “Você jamais será livre sem uma imprensa livre”. Mas teve outra que ganhou as calçadas: “Melhor trabalhar no Estado a serviço do povo, do que n’O POVO a serviço do governo.”

Um pedaço de mim morreu. Mas vive bem e sem medo quem morre um pouco a cada dia.

RIP Ricardo Palhano — one more man gone. The good son walks into the sacred field…

Norton Lima Jr. é jornalista

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