“Uma sala de teatro e grandes espaços ampliados, ali fazíamos de tempos em tempos alguma atividade cultural, teatro, cinema e conferências. Com a visita de Vinicius de Moraes e Baden-Powell fizemos um show com Nara Leão”, aponta em artigo o cientista político Paulo Elpídio de Menezes Neto. Confira:
Corriam os anos 1960, já entrados em 1964. Mal poderíamos supor que estávamos por enfrentar mais uma dessas derrapagens históricas a que nos habituamos, nós, brasileiros.
Zuleide e eu, nos verdes anos de descobridores, estávamos na Maison du Brésil, na Cité Universitaire de Paris. Bolsista de um precário estipêndio do governo francês, arranjávamo-nos com o que eu ganhava. Habitamos por dois anos o lugar, em meio a uma população de brasileiros, uma diáspora inusitada de jovens celibatários e casais. Todos, animados de heroico ardor revolucionário que o vinho nosso de cada dia, ordinário, o Postillon de baixo custo, exaltava.
O prédio da Maison destaca-se em meio a mais de um centena de casas nacionais pela agressiva modernidade. Projeto avançado de Le Corbusier.
Uma sala de teatro e grandes espaços ampliados, ali fazíamos de tempos em tempos alguma atividade cultural, teatro, cinema e conferências. Com a visita de Vinicius de Moraes e Baden-Powell fizemos um show com Nara Leão.
Cantamos noite afora até quando alguém teve uma ideia desastrosa e desastrada:
– Por que não vamos jantar?
Fomos. Esquecidos que éramos pobres e bolsistas, bebemos e comemos à tripa forra, os visitantes que nos traziam as lembranças saudosas do Brasil, empenhavam-se, muito “à laise”, no desafio da “grande bouffe” de uma noitada encantadora.
Terminado o último round “gourmand”, os visitantes agradeceram e saíram como entraram, em paz consigo mesmos.
Cotizamo-nos para pagar as despesas e o “pourboire”, uma das mais dolorosas instituições francesas. Fiz desolado, as minhas contas.
Deixáramos com as extravagâncias de revolucionários sem um centavo, resultado daquela inesperada socialização dos bens da pobreza, confisco, diríamos melhor, as ralas sobras de três meses do dinheirinho dos “allons-enfants”.
Tudo pela voz doce e sensual de Nara.
Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor, escritor e ex-reitor da UFC