“As pessoas que guardam livros em casa são vistas sob suspeição, tidos como agentes poluidores do meio ambiente e destruidores de florestas mundo afora”, aponta o cientista político Paulo Elpídio de Menezes Neto
Confira:
“Livros são uma mágica singularmente portátil”, Stephen King
Os livros já foram em um passado do qual perdemos a lembrança, atestado material de inteligência, sabedoria e posição social.
Fora das bibliotecas — Alexandria é a projeção do resplendor do Egito — só os ricos e a nobreza os possuíam para uso próprio ou para compor um certo status nas sociedades da oralidade.
Marco Antônio, transido de paixão por Cleópatra, despejou a seus pés, como presente para a biblioteca de Alexandria, 200 mil volumes em pergaminho. Um amor feito de doces transações — em papiro.
Livros viajavam no lombo dos camelos, graves criaturas do deserto, levados pelos mercadores, pedidos por encomenda ou por compras de impulso por quem tivesse dinheiro, curiosidade e vaidade.
Na Idade Media, foi símbolo das exaltações da fé. Fez-se instrumento dos gentios e dos hereges, dessa gente que sempre existiu sobre a Terra, cheia de ideias controversas. Tornou-se, com o tempo, arma perigosa em mãos recalcitrantes e a muitos valeu a condenação das figueiras das vaidades armada pelos monges vigilantes das questões de dogma adquirido.
Na Renascença, já feito incunábulo e códice pelas artes de Gutenberg, impressor em Linz, ganhou o prestígio intelectual que alguns resistentes lhe emprestam ainda. No papel e na tinta, nas iluminuras e nas gravuras ficaram gravadas indelevelmente as conquistas da razão e da “intelligentsia”. Outros vieram para queimar essas obras de perversão na figueira das vaidades de Savonarola.
Com o advento dos recursos mnemônicos [?] da Internet, o papel foi perdendo prestígio, por alguns precavidos, considerado um risco de morte iminente por causas variadas. A alguns soldados da militância causam cuidados os desvios ideológicos que as ideias podem inocular nas almas desprovidas de maldade.
Hoje, as pessoas que guardam livros em casa são vistas sob suspeição, tidos como agentes poluidores do meio ambiente e destruidores de florestas mundo afora.
De minha parte, reconheço cumplicidade com esses bibliófilos empenhados na destruição do nosso planeta. Tenho alguns amigos, vistos com reserva pelos seus impulsos destruidores, que guardam livros — em casa!
Tentei esconder os meus, sobretudo os mais envelhecidos, amarelecidos pelo tempo e, postos por essa razão, sob vigilância. Além de inconvenientes pelas ideias que exibem, essas armas poderosas de cizânia social mostram-se perigosas para a saúde do planeta, quiçá do universo circundante, portadoras que são de tantos malefícios para os humanos, destruidoras de amenas conjecturas.
Tenho amigas, bibliotecárias, indulgentes e compreensivas, que assumiram um ar conveniente, distante, ao me encontrarem. Indaguei a uma delas, mais tolerante do que costumam ser estas “Servas dos servos da Ciência”, a razão daquele comportamento estranho:
“— Ora, Paulo Elpídio, você há muito está sob vigilância. És, criatura, um risco permanente para as bibliotecas que se prezam. Vai que decides doar os teus livros, assim, de repente? O que se haverá de fazer deles?”
Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor, escritor e ex-reitor da UFC