Com o título “Os Hooligans Ainda Estão Aqui”, eis artigo de Walter Filho, promotor de justiça do Estado do Ceará. Ele aborda essa briga entre torcidas que se transformaram num espetáculo de horrores.
Confira:
A paixão pelo futebol mobiliza multidões e alimenta debates acalorados. No entanto, essa devoção muitas vezes extrapola os limites do que deveria ser uma celebração do esporte e se transforma em um cenário de violência, protagonizado por grupos de torcedores organizados. Esses selvagens promovem confrontos que resultam em mortes, feridos e um ambiente de medo nos estádios e arredores.
As torcidas organizadas surgiram no Brasil na década de 1940, inspiradas nos movimentos de torcedores da Argentina e da Europa. Inicialmente, tinham o propósito de apoiar os times de forma vibrante, com cantos, bandeiras e coreografias espetaculares. Com o tempo, porém, muitas passaram a adotar características de gangues, onde a rivalidade entre clubes se tornou um pretexto para brigas, emboscadas e homicídios.
Dentro das torcidas organizadas, dissidências deram origem a grupos violentos, como os hooligans. O fenômeno do hooliganismo teve início na Inglaterra no final do século XIX, mas foi entre as décadas de 1960 e 1970 que essa cultura de violência se consolidou de maneira alarmante. Eles não eram apenas torcedores apaixonados, mas facções organizadas, muitas vezes com estrutura paramilitar, que utilizavam o futebol como justificativa para confrontos brutais com torcidas rivais.
Clássicos regionais, como Corinthians x Palmeiras, Flamengo x Vasco e Ceará x Fortaleza, tornaram-se eventos de alto risco, com torcedores indo aos jogos preparados para o confronto, muitas vezes armados com barras de ferro, bombas caseiras, pedaços de madeira e até armas de fogo. Recentemente, antes do jogo Sport x Santa Cruz, cenas chocantes foram registradas nas ruas do Recife — um indivíduo já desmaiado foi brutalmente agredido e empalado. Um episódio nauseante.
A lista de episódios violentos envolvendo torcidas organizadas no Brasil é extensa e preocupante. Medidas urgentes precisam ser adotadas pelo poder público. No Ceará, um passo significativo foi dado com a prisão em flagrante de mais de cem pessoas e a decretação da prisão preventiva em audiência de custódia pelo Poder Judiciário. Esse fato representa um marco no combate à violência promovida por criminosos que sempre apostaram na impunidade. Nossa legislação penal ainda carece de dispositivos mais rigorosos para garantir punições severas.
Essas prisões não foram obra do acaso, mas sim resultado do trabalho do Núcleo de Defesa do Torcedor (Nudtor) do Ministério Público, em parceria com as forças de segurança — Polícia Militar e Polícia Civil. Destaca-se, nesse contexto, a atuação da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (DRACO) e do Batalhão de Choque. Entre os detidos, foram identificados e denunciados à Justiça membros de uma facção violenta conhecida como Bonde dos Hooligans (BDH). A experiência inglesa demonstra que, com rigor e planejamento, é possível transformar um cenário de caos em um ambiente seguro e civilizado. O banimento dos hooligans não ocorreu por acaso, mas sim por meio de reformas estruturais, leis rígidas e uma mudança cultural dentro do futebol.
Hoje, os campos esportivos são modelos de segurança e organização. Famílias e turistas frequentam os jogos sem medo, e a violência nos estádios praticamente foi erradicada. O modelo britânico foi copiado para países como Alemanha e França. Enquanto Brasil e Argentina ainda sofrem com torcidas violentas, o exemplo inglês prova que erradicar o problema é viável — desde que haja vontade política e comprometimento.
*Walter Filho
Promotor de Justiça do Ceará.
Ver comentários (4)
E hora de um basta, a sociedade não suporta mais. A violência afasta famílias e torcedores .
Exatamente. Hora de um basta.
Há muito o Brasil tornou-se um paraíso da violência. Crimes violentos crescem, apresentando números assustadores, na mesma proporção que a impunidade desce ladeira abaixo. Já tivemos exemplos que, em um determinado ano, apenas 35% dos crimes dolosos foram esclarecidos no Brasil, onde, em alguns estados, não se alcançou 20% de elucidações. Ou seja, a impunidade reina. Nesse recente episódio, com a prisão de mais de uma centena de indivíduos, comprovadamente envolvidos em brigas de torcidas, com cenas degradantes e perversas, na promoção de uma violência alucinada, louve-se a atitude do Ministério Público, ao pedir a prisão preventiva da maioria do grupo, onde, além da ação de selvageria, com um extenso número de delitos cometidos, ressalte-se os antecedentes criminais de vários deles.
É hora de todas as instituições que fazem o futebol cearense, desde clubes, federação, imprensa, governo estadual, municipal, poderes legislativos, polícias, todos, exatamente todos, abraçarem o Ministério Público do Estado do Ceará, sobretudo na pessoa do titular do Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor (Nudtor), Promotor Edvando Elias de França, e fazer valer a justiça contra a marginalidade que mancha a beleza que é o futebol.
Ao contrário, imaginar que nada será feito, debruço-me na célebre frase: “a violência no esporte reflete as mazelas da nossa sociedade”. E aí, como causa de adoecimento de nosso povo, incluo nessa grande chaga, uma justiça severamente morosa.
Ainda assim, quero crer que esse episódio seja apenas o começo do fim da violência no futebol.
Obrigado caro Eliezer. Precisamos acabar com isto. Foi um grande passo. Abraços .