“Já era um pouco proustiana, insistia em amar Guimarães Rosa e Saramago. Nada reais no que se convenciona nomear de realidade”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório.
Confira:
Li as primeiras matérias a respeito da INFOVIA no início dos anos 80. Estudante em Lisboa, a Faculdade abordava esses temas na Filosofia, na História, na Matemática. Uma cadeira optativa interessou-me muito: Novas Tecnologias nos Meios de Comunicação de Massa. Parecia tudo muito surreal no meu universo muito mais para século XIX.
Já era um pouco proustiana, insistia em amar Guimarães Rosa e Saramago. Nada reais no que se convenciona nomear de realidade. Eu nunca fiz questão de ser pragmática. Fui desenhando meu percurso entre alucinações e racionalidades. Cada qual na sua hora. Nem tanto, por vezes. Na inversão dessas coisas, sofri. Ainda sofro.
Não sei mais o que é e o que não é. Acredito que o bom humor é aliado. Caminho confusa e triste. Já repeti essa frase muitas vezes, ultimamente. Sou mais entusiasmada que sorumbática. Só que parece que somos reféns de mais uma era, onde a promessa seria tudo melhorar e, sinceramente…
Quando eu era criança diziam que o mundo ia se acabar no ano 2000. Eu fazia contas, calculando que idade teria e achava-me nova para acabar junto. Chegou, e o mundo estava mesmo se acabando. Resistente, segui com ele, assim mesmo, todo desconjuntado. Se é que fez sentido, algum dia. Até porque o sentido é relativo. Ou, não é? Nada está muito explicado, pois.
A internet chegou aos lares e às ruas como uma materialização da democracia. Informação, educação, lazer, ao alcance da palma da mão. Cedo começamos a perceber que não eram todas as mãos a alcançá-la. Desigualdades, principalmente de letramento para usufruir dessa teórica expansão de acesso, fundam mais opressões.
Esta semana cortaram os cabos de transmissão de uma parte da cidade onde moro. Foram, pelo menos, 6 dias mergulhados numa espécie de modernas trevas. Deveria sentir-me livre para fazer outras coisas. Até porque redes e posts não são a minha praia. Gosto de mar de verdade, se vier com insolação fico chateada, passo pomada, e espero passar.
O Trabalho resolvi numa peregrinação às casas onde não houve crise. Senti falta dos documentários baixados do Youtube para ver nas horas da insônia. Disso fiquei privada, uma das maneiras de viajar da qual sou devota. Minha mãe sem televisão, essa caixinha mágica, hoje totalmente dependente de conexão, na classe média confinada a essa opção.
Tenho consciência que são doces as minhas inconveniências. Muito piores são as Queimadas, as Enchentes, a Fome, a Violência – tudo acontecendo agora diante da indiferença dos que não são piegas, nem melancólicos.
Seja como for, até duvidei que avançaria 24 anos do ano do dragão*. Cheguei aqui viva e saudável. Rodeada de ternura, de força, de poesia.
Só que há algo de…digamos…mais para enxofre que pra mel.
Perdoem a objetividade romântica. Os dias andam assim. Gostaria de melhorá-los. Há novas pessoinhas no front.
*O ano 2.000, ano do nascimento da minha amada sobrinha Sofia Osório, é, também, o ano do dragão no horóscopo chinês.
Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS