Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

“Padre Mororó, um revolucionário ilustrado (Confederação do Equador IV)

Filomeno Moraes é cientista político

Com o título “Padre Mororó, um revolucionário ilustrado – Confederação do Equador IV”, eis mais um artigo do cientista político Filomeno Moraes, abordando um importante momento da história do Brasil e, em especial, do Nordeste.

Confira:

O padre Mororó talvez tenha sido a personalidade mais ilustrada da Confederação do Equador no Ceará, e foi o primeiro dos cinco mártires levados ao sacrifício no Campo da Pólvora, hoje Passeio Público, em
Fortaleza. Sacerdote e jornalista, era latinista, pregador sacro, jurista e botânico.

Gonçalo Inácio de Loiola Albuquerque e Melo, a que se acresceu o Mororó por conta do nativismo presente nos anos 1820, nasceu no hoje município de Groaíras, em 24 de julho de 1778, e morreu em 30 de abril de 1825. Estudou no Seminário de Olinda, ordenando-se sacerdote em 1802. Foi vigário de Boa Viagem, Tamboril e Quixeramobim. Em Olinda, conviveu com, entre outros, o padre Miguelinho, o padre João Ribeiro e o frei Caneca, todos difusores das ideias iluministas e do sentimento nativista, concretamente aflorados, sobretudo, com a Revolução de 1817 e a Confederação do Equador, em 1824.

A trajetória política de Mororó política foi marcada por contradições. Em 1817, era comensal, e frequentador dos “outeiros” literários, do governador Manuel Inácio de Sampaio, o dirigente português que promoveu a intensa repressão ao movimento insurrecional no Ceará, inclusive, e que foi o dínamo
da prisão, com sofrimento e humilhação, de Bárbara de Alencar e dos seus filhos Tristão, José Martiniano e Carlos. Depois, Mororó relutou fortemente a atender o convite de Tristão, quando este empalmou a presidência da Província, alegando ser “um padre baldo de conhecimentos, que fazia sua subsistência de capelanias pelo sertão”, por conseguinte, incapaz de “exercer um emprego que demandava tanta ciência, o que foi entendido, à época e depois, por pusilanimidade. A crer nos relatos dos cronistas, foi necessário que Tristão o ameaçasse de prisão para que assumisse o cargo de secretário governamental.

Convém lembrar que, entre 1817 e 1824, Mororó transitou da lealdade ao absolutismo personificado no governador Sampaio para o envolvimento revolucionário, depois de encontro com Cipriano Barata e
reencontro com o frei Caneca, no Recife, e da leitura continuada do “Correio Braziliense”, de Hipólito José da Costa, acabando por realizar, pelo menos parcialmente, a premonição atribuída a dom Azeredo Coutinho, o criador do Seminário de Olinda: “Esse moço há de perder-se na primeira revolução que
houver no Brasil”.

A seu tempo, Mororó liderou a reação da Câmara de Quixeramobim contra o fechamento da Assembleia Constituinte, reação tal que, no dia nove de janeiro de 1824, considerou decaída a dinastia dos Bragança e proclamou a república, conseguindo, na sequência, a adesão das Câmaras do Icó e do Crato ao movimento republicano.

Mororó secretariou a sessão do Grande Conselho, em que, no dia 26 de agosto de 1824, se proclamou a república na Província do Ceará bem como a adesão à Confederação do Equador. Todavia, o seu papel mais destacado foi na criação do talvez primeiro jornal impresso da Província do Ceará, o “Diário do
Governo do Ceará”, periódico bissemanal que, entre abril e novembro de 1824, deu à estampa dezenove números e funcionou como o porta-voz da Confederação do Equador no Ceará. A propósito, convém registrar que, só muito recentemente, se descobriu, em acervos e bibliotecas no Rio de Janeiro, a
coleção completa dos números editados do periódico, os quais, na maioria, se consideravam perdidos (cf. BRITO, Jorge. “Diário do Governo do Ceará: origens da imprensa e da tipografia cearenses”. Fortaleza: Museu do Ceará, 2006). Assim, hoje, pode-se compulsar o “Diário do Governo do Ceará”, criado pelo padre Mororó, a par do “Typhis Pernambucano”, editado pelo frei Caneca, o que permite, como instrumentos formidáveis que são, a abertura de novas perspectivas nos estudos sobre a Confederação do Equador.

Mororó acabou condenado à morte por enforcamento (depois comutado em fuzilamento) pela sanguinária Comissão Militar presidida por Conrado Niemeyer, acusado que foi principalmente dos crimes de: a) ter proclamado a república em Quixeramobim; b) ter servido como secretário do
presidente Tristão Gonçalves de Alencar Araripe; c) ter sido o redator do “Diário do Governo do Ceará”. Um dos seus inimigos políticos, Costa Barros, fugaz presidente da Província do Ceará, teve tempo, no entanto, para, em correspondência à Corte, encarecer a aplicação da pena de morte a Mororó,
“esse malvado padre […], o redator das célebres folhas do Ceará”, “demônio [que] foi o autor da república de Quixeramobim, e da sua abominável e execranda ata”.

A crônica histórica dá conta de que Mororó, no encontro de contas entre o titubear político-ideológico de alguns momentos e o afirmar do final da vida, encarou a morte com estoicismo e coragem, dando ânimo aos companheiros de infortúnio, ironizando os régulos e os seus asseclas e consignando um
passaporte de heroísmo na tão conturbada Confederação do Equador no Ceará.

*Filomeno Moraes

Cientista político, doutor em Direito (USP), livre-docente em Ciência Política (Uece), com estágio pós-doutoral pela Universidade de Valência (Espanha).

COMPARTILHE:
Facebook
Twitter
WhatsApp
Telegram
Email
Mais Notícias