Com o título “Pandemia da desesperança”, eis artigo de Suzete Nocrato, jornalista e mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará. “Sou mãe, avó, filha, tia, irmã, sogra, prima, amiga. Essa condição me faz pensar que todos nós — independentemente do papel que ocupamos — precisamos aprender a ouvir para além das palavras, a enxergar os sinais de dor nos mais discretos gestos, e, o mais importante, oferecer presença antes mesmo que nos peçam”, expõe a articulista.
Confira:
No último fim de semana, em uma conversa com um amigo sobre as dores que têm assolado a humanidade, me dei conta de que estamos atravessando uma verdadeira pandemia de depressão e suicídio. Nesse contexto de gravidade, nos chama a atenção o fato de a saúde mental de crianças e jovens não estar sendo discutida com a profundidade que a urgência do tema exige — seja nos veículos de comunicação, nas escolas ou nos lares. Enquanto isso, de forma silenciosa, a dor atravessa famílias, corpos e relações.
Um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revela que, de 2011 a 2022, a taxa de suicídio entre jovens no Brasil cresceu 6% ao ano, e representou, em média, 4,02% das mortes entre pessoas de 10 a 29 anos. Estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que, no planeta, mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida, anualmente.
Na conversa com meu amigo, percebi que, quase sempre, falamos sobre o assunto como quem observa algo distante — uma notícia chocante sobre um desafio mortal na internet ou os números frios de uma pesquisa. Raramente paramos para pensar que essa realidade pode estar muito mais próxima do que imaginamos: dentro da nossa casa, no coração de um familiar que amamos, na quietude de um colega de trabalho ou de alguém que sempre parece ‘bem’ e ‘feliz’.
De uma forma sentida, essa verdade ganhou um peso ainda maior quando soube do caso da neta de uma querida amiga. Uma jovem de 35 anos, mãe de uma adolescente de 16 anos e uma criança de 8 anos, vestiu-se de silêncio no labirinto da própria mente para a dor que não encontrou espaço para ser dita. Em apenas três meses, buscou por quatro vezes uma solução definitiva para as frustrações profissionais e sentimentais que a esmagavam.
A notícia me atingiu como um soco, por ser ela gentil, prestativa, sempre disposta a ajudar, com uma existência inteira para ser vivida e experimentada. No entanto, a depressão havia se instalado em sua alma, roubando dela a alegria do caminhar, da descoberta, do sentir. Os sinais estavam lá — escolhas equivocadas em relacionamentos, comportamentos destrutivos, passividade diante de relações tóxicas — mas a família e os amigos, talvez por medo ou incredulidade, não quiseram enxergar — e isso não é uma crítica.
Mesmo cercada pela devoção e cuidados da avó-mãe, ela sucumbiu à desesperança e ao medo. Hoje, encontra-se internada em uma clínica terapêutica de referência em saúde mental, recebendo tratamento psiquiátrico integral e humanizado. A família, em meio ao choque, se agarra à espiritualidade como uma tábua de salvação e, sobretudo, a acolhe.
Sou mãe, avó, filha, tia, irmã, sogra, prima, amiga. Essa condição me faz pensar que todos nós — independentemente do papel que ocupamos — precisamos aprender a ouvir para além das palavras, a enxergar os sinais de dor nos mais discretos gestos, e, o mais importante, oferecer presença antes mesmo que nos peçam.
Que sejamos ponte e claridade, abrindo caminhos para que ninguém precise enfrentar sozinho e em silêncio a própria escuridão.
*Suzete Nocrato
Jornalista e mestre em Comunicação Social pela UFC.