“A atendente começou a recitar lançamentos da indústria farmacêutica como quem anuncia o prato do dia”, aponta o arquiteto e escritor Totonho Laprovítera
Confira:
“Uma coletânea de pensamentos é uma farmácia moral onde se encontram remédios para todos os males.” (Voltaire)
De uns tempos pra cá, ando com uma preocupação ingrata: minha conta na farmácia ganha da do supermercado de lavagem – de capote! E olha que supermercado nunca foi barato. Deve ser a tal da velhice chegando devagarinho, puxando a cadeira de balanço e dizendo: “Senta que lá vem história.”
Outro dia, numa farmácia, presenciei uma cena que me deixou invocado. Um senhor de idade entrou como se estivesse chegando em casa. Os funcionários o chamaram pelo nome – alguns até pelo apelido – como se fosse cliente de balcão de bodega. Ele se encostou e perguntou: “E aí, pessoal, alguma novidade?”
Na minha santa inocência, imaginei notícias do mundo. Mas não: a atendente começou a recitar lançamentos da indústria farmacêutica como quem anuncia o prato do dia. E o senhor, passado na casca do alho, respondia no mesmo tom, cheio de termos médicos, sem nunca ter estudado medicina.
Quando o jovem Raimundo Severino veio estudar medicina na Capital, ainda era o tempo em que as pessoas se correspondiam quase só por carta. No primeiro semestre do curso, escreveu ao velho pai. Ao receber a carta, o pai se deparou com um emaranhado de garranchos tão indecifráveis que não hesitou: foi direto à farmácia pedir que traduzissem o que o filho havia escrito.
A farmácia, para alguns, é ponto de encontro. Conversam sobre saúde como quem comenta futebol: trocam receitas, comparam exames, exibem históricos médicos sem pudor. Outros aparecem apenas para se pesar – e a cena termina quase sempre igual: “Essa balança tá é doida!”
Foi aí que me lembrei do amigo Paulo Roberto. Perguntei como ele dava conta de tomar tanto remédio. Ele se abriu e soltou: “Rapaz, eu junto tudo, sacudo na boca, engulo e pronto: agora cada um que vá atrás da sua doença.”
E não é que faz sentido? Cada um tem sua receita. Uns juram que o remédio é cantar. Para mim, é escrever, desenhar e pintar. Afinal, doença faz mal à saúde.
Hoje em dia, quando sinto algum mal-estar, gastura ou ingresia, corro para minha mesa de trabalho e começo a desenhar ou pintar – um santo remédio para o corpo e para a mente. Para mim, a arte é imprescindível, uma necessidade essencial, um elemento que mantém em equilíbrio meu bem-estar físico e espiritual.
Pensando assim, inventei a série O remédio é pintar, usando bulas e caixas de remédio como suporte. E, entre um gesto e outro, confirmo a certeza de que a arte cura. Cura mesmo.
Totonho Laprovítera é arquiteto urbanista, escritor e artista plástico