Poeta cearense finalista do Jabuti – Por Mirelle Costa

Se Dalgo Silva vibrou ao ser notado pela empresa São Geraldo (a da cajuína) no Instagram com o poema “São Gerardo de Vrido” (que o corretor teima em querer corrigir), avalie agora sendo finalista da 66ª edição do Prêmio Jabuti, a mais importante premiação nacional de autores e livros, que é referência no mercado editorial brasileiro, com o seu livro de estreia “Meu Amor é Político”, da editora CEPE.

(Aos 32 anos, Dalgo Silva é finalista do Prêmio Jabuti // Foto: Willberth Costa @willberthcosta)

A ficha nunca para de cair

“​​​​Quando fiquei entre os semifinalistas, Diogo, meu editor, da CEPE Editora, me mandou uma mensagem no WhatsApp. Nossa, fiquei arrepiado! Já agora no resultado dos finalistas, eu mesmo vi, pois fiquei monitorando, já que sabia o dia e o horário da divulgação (risos). Literatura é para afetar, para acordar, para sacudir, para fazer-nos presentes na vida como ela tem sido. Acho que a ficha nunca para de cair, e isso não quer dizer que a gente desconfie de que não merece ser lido e ouvido. Eu sempre soube que as palavras que são performadas e que dão forma à vida da minha mãe, muito presente em meu texto, são o quintal maior do que o mundo do qual falava Manoel de Barros. Esse quintal em que cabe apenas um pé de jerimum, como eu falo em um dos poemas, está ao lado de outros finalistas de um dos prêmios mais relevantes do cenário literário de nosso país”, emociona-se e a mim também Dalgo Silva.

(O livro “Meu Amor é Político” foi ganhador do VII Prêmio Cepe Nacional de Literatura na categoria poesia, prêmio que possibilitou a sua publicação. // Foto: Willberth Costa @willberthcosta)

Para ser um bom escritor, é preciso escutar bonito

Escritor estreante na categoria poesia, o poeta é de Tabatinga, distrito do município de Maranguape, Região Metropolitana de Fortaleza. Conta que chegou a pensar em cursar biologia, mas depois percebeu que a ciência que o habitava era a das palavras. Do curso de letras, passou para a graduação em psicologia. “Foi nas territorialidades que aprendi a produzir uma escuta sensível e conectada com problemas reais do cotidiano. E a literatura sempre esteve ali, sendo produzida por jovens poetas que tive a honra de conhecer e que foram aparecendo pra mim como possibilidade de serem a ferramenta que eu ia usar para desenhar os encontros que a extensão me proporcionava. Inclusive, alguns poemas que estão no livro foram gerados como diários de campo desses encontros nas periferias. E isso é maravilhoso, porque eu pude entender que para ser um bom escritor é preciso escutar bonito. Eu acho que levo mais as literaturas para a psicologia do que o contrário. Meus poemas não são uma dissecação analítica do que acontece ou aconteceu, apesar de eu ter uma veia da Psicologia Social que faz eu olhar com muita delicadeza e complexidade para o que é delicado e complexo. Acho que o que me inspira mesmo é o que acontece, a vidinha cotidiana e tudo que está em volta dela”, explica Dalgo Silva. 

 

(Dalgo Silva concorre na categoria Escritor Estreante Poesia // Foto: Willberth Costa @willberthcosta)

Antes da poesia, vem a vida, né?

O poeta bebe nas fontes de Patativa do Assaré, Manoel de Barros, Talles Azigon, Guimarães Rosa, Adélia Prado, Conceição Evaristo, Bertold Brecht, João Cabral de Melo Neto e Drummond. “Inclusive, brinco muito com eles em meus textos. A gente nunca escreve sozinho, né? Escrever é conversar com muita gente o tempo todo. Antes da poesia vem a vida, né? Aí depois vem a poesia e depois a vida de novo. É como se a poesia, na verdade, fosse uma forma de viver que faz você prestar atenção. Acho que escolhi a poesia porque ela consegue dizer de forma condensada muita coisa ao mesmo tempo. E isso é extremamente trabalhoso. A gente pode levar anos construindo um poema, pois levamos anos para construir quem queremos ser. A poesia me ajuda a inventar como eu quero ser, além de se configurar como um brinquedo de linguagem que uso para compartilhar com amigos, para fazer rir, chorar, se revoltar, amar. Poesia pra mim é isto: um brinquedo de fazer amar. E não tô falando só de amor romântico, do poema que nasce porque o ser amado chegou ou foi embora. Tô falando de todas as expressões de amor. Não é a música que diz que consideramos justa toda forma de amor? Por que não seria justo, então, falar sobre desigualdade social se é isto que marca as feições tristes de minha mãe e minhas tias? Eu as amo. Isso faz com que eu não perca o lirismo da poesia, mas não perca também o pé no chão de onde eu venho. É por isso que digo no poema Meu amor é político que tá tudo misturado na aorta, no coração. Meu coração carrega, ao mesmo passo, o lirismo e a dor de testemunhar violências no cotidiano desde que me entendo por gente. Aí eu me pergunto: por que não a poesia?”, reflete Dalgo Silva.

 

(A obra pode ser encontrada no site da Editora CEPE, no site https://www.cepe.com.br/ // Foto: Willberth Costa @willberthcosta)

“Qual criança cearense nunca prestou atenção na alegria de escutar o abrir de uma cajuína? A ideia do poema surgiu em um almoço na casa da Salverina, mãe da minha amiga Janaína. A gente tava provavelmente conversando sobre as belezas das nossas infâncias e, junto a isso, das violências que tivemos que viver, do que não tínhamos, dos pobres que pareciam ricos por terem mais que nós. Éramos tão despossuídos que qualquer um que tivesse um pouco mais já poderia ser visto como rico. E no nosso meio realmente havia um pingado de gente que tinha muito dinheiro. Eu, criança, não entendia direito o que era ser pobre, quero dizer, não sabia que não tínhamos porque uns tinham bem mais que a gente, mas eu sabia que eu ocupava o mundo não tendo. O poema é sobre a fé na vida, sobre um lugar existencial que aprende a dar uma pausa no não ter em um domingo, quando o almoço podia ser um pouco melhor. E isso é extremamente doloroso. Não tem nada de belo nisso, sabe? Mas virou poema, foi tocado pela poesia. Por quê? Porque a literatura para mim é para aprender a estar presente e isso envolve produzir consciência sobre o lugar que ocupamos e os vários outros que não ocupamos. Fiz um poema e outro dia, bem depois, em outro almoço com Salverina e Janaína, estava lá eu lendo o poema no livro. Vê como a vida faz o poema e o poema faz a vida?”, reflete e me faz refletir Dalgo Silva, que já está nos arremates finais de um novo livro, também de poesia, ainda sem editora.

Boa sorte, Dalgo, poeta! 

Você já é um vencedor!

Confira os selecionados na 66ª edição do Prêmio Jabuti, no Eixo Inovação Escritor Estreante – Poesia

Título: A jovem Margarida e as proezas do amor | Autor(a): Arnaldo Júlio Barbosa | Editora(s): BIP DH

Título: As fantasias da carne | Autor(a): Matheus Rodrigues Gonçalves | Editora(s): Urutau

Título: Breve ato de descascar laranjas | Autor(a): Bianca Monteiro Garcia | Editora(s): Macabéa Edições, 7 Letras

Título: Está na hora de me tornar um homem sério | Autor(a): Leo Nunes | Editora(s): M.inimalismos

Título: Meu amor é político | Autor(a): Dalgo Silva | Editora(s): Cepe

 

Mirelle Costa: Mirelle Costa e Silva é jornalista, mestre em gestão de negócios e escritora. Atualmente é estrategista na área de comunicação e marketing. Possui experiência como professora na área de jornalismo para tevê e mídias eletrônicas. Já foi apresentadora, produtora, editora e repórter de tevê, além de colunista em jornal impresso. Possui premiações em comunicação, como o Prêmio Gandhi de Comunicação (2021) e Prêmio CBIC de Comunicação (2014). Autora do livro de crônicas Não Preciso ser Fake, lançado na biblioteca pública do Ceará, em 2022. Participou como expositora da Bienal Internacional do Livro no Ceará, em 2022.

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