Com o título “Policias Estaduais: um novo modelo”, eis mais um artigo de Irapuan Diniz de Aguiar, advogado e professor. “Em suma, e o exemplo de outros países está a indicar, não é necessário nem conveniente que a polícia seja unificada. Unificado deve, isto sim, ser o serviço policial. Em outras palavras, o serviço policial há de ser uno e indivisível”, expõe o articulista.
Confira:
Embora de natureza civil, ao menos nos Estados Democráticos, a função policial tem sido exercida em nosso país pelas organizações militares em que se converteram as antigas forças policiais (diligências policiais, serviços de radiopatrulha, etc.). Empregadas, a princípio, como órgão de execução ou apoio da atividade policial, sob a direção das autoridades policiais civis, estes organismos, com a ampliação e o aperfeiçoamento de seus quadros dirigentes, passaram a reivindicar maior autonomia de ação, ou seja, a iniciativa e a direção dos trabalhos que antes lhes cabia executar. Assim, os milicianos, de agentes da autoridade policial se constituíram em detentores autônomos de determinadas tarefas, como a direção e a execução, com exclusividade, do policiamento ostensivo fardado.
A nova missão, assegurada por legislação federal – Decretos-Leis 667/69 e 1.072/69 -, levou à extinção os então corpos uniformizados da Polícia Civil (Guardas Civil e Noturna) e fez declinar as incipientes Guardas Municipais. Restaram, assim, a Polícia Civil e a Polícia Militar. E fala-se, agora, na fusão das duas para se constituir, no Estado, uma polícia única. É isto conveniente? É viável? Ao contrário do que muitos podem pensar, não é no fato de haverem duas ou mais polícias que se encontram os maiores problemas na instituição policial.
Na França e na Itália convivem duas polícias – uma civil, outra militar – e há nos EE.UU milhares de polícias municipais, estaduais e federais. O mesmo ocorre na Inglaterra, caracterizando-se o sistema anglo-saxônico pela polícia local independente. O problema maior, pois, não está no número das polícias, mas no seu emprego desordenado e, não raro, colidente. Em suma, e o exemplo de outros países está a indicar, não é necessário nem conveniente que a polícia seja unificada. Unificado deve, isto sim, ser o serviço policial. Em outras palavras, o serviço policial há de ser uno e indivisível. Não pode ser seccionado em partes estanques: prevenção e repressão, patrulhamento e investigação, ação de rua e feitura de inquéritos. São atividades que se entrelaçam, convindo, por isso mesmo, estarem reunidas sob a coordenação e responsabilidade de uma só autoridade que, no nosso sistema penal é o delegado de polícia.
Esta é uma necessidade que salta a vista e que nossa estrutura policial não atende, pois a Polícia Civil é judiciária e a Polícia Militar, que leva os casos para civil, sem a orientação desta, é ostensivo-preventiva. Nesse hiato verifica-se a quebra da organicidade do sistema, com resultantes prejuízos à prevenção e à repressão, o desentrosamento e a falta de motivação. A solução para este descompasso seria a adoção de uma providência simples consistente na unificação do serviço policial, devolvendo-se a Polícia Civil os serviços de radiopatrulha, a serem efetuados por policiais uniformizados (apenas para facilitar a identificação pelo público) e devidamente capacitados para essa tarefa de atendimento de ocorrências policiais no âmbito da polícia judiciária. À Polícia Militar ficaria reservada a atribuição de manutenção da ordem pública, as missões de guarda territorial, defesa dos mananciais e recursos naturais, bombeiros, policiamento de estradas, a guarda externa dos presídios além de um vasto e insubstituível campo de atuação. Seria o exercício da chamada Polícia de ordem, alguns dos quais os encargos vêm sendo passados virtualmente às
empresas particulares de segurança.
*Irapuan Diniz de Aguiar
Advogado e professor.