Em referência ao Agosto Lilás, mês da conscientização e enfrentamento à violência contra as mulheres, a jornalista e escritora Mirelle Costa relata diariamente, neste espaço, casos que servem de alerta a todos nós
Confira:
(O texto abaixo foi escrito por uma mulher vítima de violência doméstica, atendida na Casa da Mulher Brasileira, em Fortaleza. O texto compõe a obra “Após a Morte do Conto de Fadas, a Ressurreição”, publicada pelo Senado Federal, e organizada pela jornalista e escritora Mirelle Costa. Este texto pode conter gatilhos emocionais que podem afetar algumas pessoas).
Parte 1
Tudo começou dando errado a partir do momento em que eu nasci. Não fui uma criança desejada. Cresci com esse sentimento de baixa autoestima. Hoje, sou mãe superprotetora de uma menina. Tenho muito medo de acontecer com ela o que aconteceu comigo, mas a história dos abusos e traumas da minha infância é outro livro.
Parte 2
Sempre ri alto. Sempre falei alto. Sempre cantei desafinado e alto. Sempre sonhei alto. Mas um dia eu ri baixo, porque meu riso incomodava. Um dia eu falei baixo, porque minha voz era muito chata. Nesse dia, eu não cantei e nem gargalhei, pois estava muito triste. Nesse dia, eu não sonhei, só chorei muito perguntando: será que o problema sou eu?
Parte 3
Conheci meu marido após o término de um outro relacionamento abusivo. Meu sonho virou um pesadelo.
Já me perguntei o porquê de tanto ódio. Por que você me odeia tanto?
E você me respondia:
Faço isso porque te amo!
Você não pode sorrir para mais ninguém, você é só minha.
Mas nós não éramos assim. A gente sorria das bobagens um do outro, éramos cúmplices, amigos e parceiros, mas um dia você mudou e eu demorei a perceber. Talvez tenha percebido, mas não aceitava.
O amor foi esfriando, dando espaço para desconfiança, brigas e confusão. No meio das gritarias, o primeiro tapa!
Em seguida, a explicação:
Eu sei que não deveria ter feito isso, mas a culpa foi sua. Me deixou estressado.
Daí para frente foi só para trás. O aumento da desconfiança, sempre tentando descobrir algo sobre mim, para jogar na minha cara que eu não sou ninguém e que eu deveria me matar.
Você era o príncipe dos meus sonhos, mas se tornou meu grande pesadelo.
Parte 4
Após não aceitar e nem aguentar mais essa situação, saí de casa. Essa fase foi uma história de superação, pois estava em situação de vulnerabilidade, mas, ainda assim, eu venci.
Após um tempo, tentei um novo relacionamento, conheci uma pessoa até legal, depois conheci outra e mais outra. A cada novo relacionamento, uma nova decepção. Sentia que até tinha o que eu queria, mas parece que não tinha nada.
Parte 5
Será que será para sempre assim? Serei para sempre vulnerável? Queria saber como sair desse ciclo. Não quero ser para sempre essa mulher frágil. Não quero estar para sempre sendo protegida. Não! Eu sou forte e tudo que me proponho a fazer me torna mais forte.
Parte 6
Uma frase que eu repetia a mim mesma era: “Deus não me deu uma cruz maior do que eu possa carregar”. Fui ferida na minha alma e, hoje, estou me curando, mudando meus passos e meus atos e amando a mim mesma.
Parte 7
Nessa história, eu não quero ser a vítima ou mesmo a princesa que precisa ser salva. Eu quero ser a heroína da minha história, a guerreira que luta por si só.
Shely
(Diante de qualquer situação de violência doméstica, ligue 180, é a Central de Atendimento à Mulher, um serviço telefônico do governo federal que oferece acolhimento, orientação e informações sobre os direitos das mulheres, além de receber denúncias de violência contra a mulher)
Mirelle Costa e Silva é jornalista, mestre em gestão de negócios e escritora. Atualmente é estrategista na área de comunicação e marketing