Com o título “Primeira falácia sobre a Violência: A violência cresce em todo o Brasil…”, eis artigo de Plauto de Lima, coronel RR da PM/CE e mestre em Planejamento e Políticas Públicas. Ele aborda o cenário e os índices de violência no País e no Ceará.
Confira:
A primeira falácia que pretendo desconstruir neste artigo, frequentemente propagada por aqueles que buscam justificar a ineficácia governamental na redução da criminalidade, é a de que “a violência cresce em todo o Brasil, não é somente aqui no Ceará”. Antes de desenvolver os contra-argumentos, preciso diferenciar dois conceitos: violência e criminalidade.
Ao falarmos de criminalidade, estamos nos referindo a todos os tipos de crimes, principalmente os cometidos contra o patrimônio, como furto e roubo — que representam o maior desafio para os gestores estaduais em todo o país. Já a violência, neste contexto, diz respeito especificamente ao crime de tirar a vida de outra pessoa. E, nesse aspecto, muitos estados brasileiros têm conseguido reduzir seus índices.
Lembro que, quando eu ainda era criança, os programas que retratavam a criminalidade iam ao ar apenas tarde da noite. Era uma época em que os homicídios e latrocínios raramente ocorriam no Ceará, o que levava os programas policiais locais a recorrerem a artifícios teatrais para prender a atenção do telespectador. Um desses programas tinha um repórter que assumia o personagem “Mão Branca”. Toda a reportagem era carregada de tensão. O repórter não aparecia — apenas sua mão, coberta por uma luva branca, e segurando o microfone, ocupava a tela.
Até o humor chegou a ser utilizado para retratar a violência no estado. O programa “Garras da Patrulha”, por exemplo, fez grande sucesso ao apresentar cenas policiais de forma jocosa, usando bonecos para satirizar a criminalidade.
O noticiário nacional também tinha seus personagens marcantes. Um dos que mais me chamava a atenção era Gil Gomes. Repórter de uma emissora do Sudeste, sua presença se espalhava por todo o país. Com voz cavernosa e fala lenta, quase soletrando as palavras, Gil narrava os fatos, enquanto fazia movimentos circulares com a mão diante da câmera. Naquela época, entre os anos 1980 e 1990, a violência se concentrava nos estados do Sul e Sudeste, especialmente no chamado eixo Rio-São Paulo. Já os estados do Nordeste, com destaque para o Ceará, eram conhecidos por serem regiões pacíficas, nada comparáveis aos níveis de violência registrados em outras partes do Brasil.
No entanto, a partir do início dos anos 2000, esse cenário começou a mudar. Para avaliarmos se um local é violento, utilizamos como parâmetro o número de homicídios por 100 mil habitantes. O cálculo é feito da seguinte forma: o número de homicídios de um local em determinado período é dividido pela população e, por fim, o resultado é multiplicado por 100 mil. Dessa forma, podemos comparar o índice de homicídios entre diferentes locais.
Na nossa avaliação, utilizando os números apresentados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública para o período de 2004 a 2023, observamos que o crime cresceu em quase todos os estados das regiões Norte e Nordeste do país. No Ceará, saímos de 19,6 homicídios por 100 mil habitantes em 2004 para 35,9 homicídios por 100 mil habitantes em 2023 (+83,2%). Em números absolutos, registramos 1.576 assassinatos em 2004, enquanto, em 2023, esse número saltou para 3.112 mortes, representando uma variação de +97,5%. Nosso pior ano foi 2017, quando 5.133 pessoas foram mortas de forma violenta no Ceará.
Todavia, em todos os estados das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste houve uma diminuição nos índices criminais. Essa redução foi tão acentuada que fez com que o índice nacional de homicídios caísse de 26,4 homicídios por 100 mil habitantes em 2004 para 22,8 em 2023. Em São Paulo, a redução nos últimos 19 anos foi de 72,3%; no Distrito Federal, a violência caiu 65,5%; e no Paraná, a queda foi de 28,8%. Também há casos de acentuada redução em Minas Gerais (33,6%), Santa Catarina (18,4%) e Goiás (11,6%).
Portanto, afirmar que a violência cresce em todo Brasil para justificar os altos índices de violência no Ceará é uma falácia. Esperamos que, um dia, nossos gestores públicos abandonem esse falso argumento e enfrentem o problema com seriedade, sem “politicagem”, para que, quem sabe, o Estado volte a ser lembrado como um local pacífico. Assim, os programas policiais cearenses poderão retornar ao tom jocoso de antes, em vez de estarem carregados de notícias sobre assassinatos, como ocorre atualmente.
*Plauto de Lima
Coronel RR da PM/CE e mestre em Planejamento e Políticas Públicas.