Com o título “Propaganda, verdade e autoestima”, eis artigo de Valdélio Muniz, jornalista. analista judiciário (TRT-7ª Região), mestre em Direito Privado (Uni7), professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Fadat e membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC). Ele aborda um triste cenário que ainda perdura na educação do País.
Confira:
Há poucos dias, dirigindo no trânsito de Fortaleza, deparei-me com uma grande propaganda na parte traseira de alguns ônibus. Ela trazia estampada fotografia de diferentes estudantes da rede pública estadual de ensino com o título “Se garantiu” e a indicação do nome do(a) estudante e dos cursos em que obtivera aprovação no Enem e/ou em vestibular recente. A imagem me fez despertar recordações e reflexões.
Recordei, de imediato, o misto de alegria e de tristeza quando, nos idos da década de 1990, obtive minha aprovação no vestibular da Universidade Federal do Ceará (UFC). Alegria por ter conquistado uma vaga no disputadíssimo curso de Comunicação Social (Jornalismo), que, até então, ofertava apenas 20 vagas semestrais e era o único ofertado no Ceará nesta área. Tristeza ao perceber que, da minha turma de calouros, era o único oriundo da rede pública de ensino.
Recordei, também, quantos(as) colegas do então chamado “2º Grau”, cursado na Escola Paulo Benevides, em Messejana, mereciam vivenciar igualmente tamanha alegria. Contudo, muitos(as)
deles(as) diziam abertamente que nem sequer se inscreveriam no vestibular (à época, ainda não tínhamos Enem) por não se sentirem capazes de concorrer com os candidatos egressos da rede
particular de ensino. Isso era um claro demonstrativo do quanto a autoestima já os levava a um precoce derrotismo.
É fato que vivenciamos um período de deficiências estruturais muito graves na educação. A proposta de universalização do acesso ao ensino, fortalecida sobretudo com a Constituição Cidadã de
1988, mostrou-se justa e necessária. Os mais antigos hão de lembrar que algumas escolas estaduais, como o Liceu do Ceará, eram tidas como referência de qualidade. Não à toa, delas advieram renomados profissionais de diferentes carreiras. Mas ter a oportunidade de nelas poder estudar já era uma vitória.
Naturalmente, ampliar a quantidade de vagas para permitir o acesso de mais jovens e adolescentes aos ensinos fundamental (1º grau) e médio (2º grau) foi posto como o principal desafio a curto e médio prazo. Difícil não atingir esta meta sem comprometer, de algum modo, a qualidade do que era ofertado. Alcançar a qualidade desejável, portanto, parecia estar posto como um objetivo sequencial e de alcance a médio e longo prazo, dado o tamanho da rede de ensino que, de repente, passou a existir.
De lá para cá, prefeituras, estados e governo federal, com a ajuda de legislações como o Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental (depois alterado para Ensino Básico) e de Valorização do Magistério (Fundef, sucedido pelo Fundeb), Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), ações afirmativas (cotas) e outras, e com a obrigação de destinar percentuais mínimos de suas receitas (pré-estabelecidos como parâmetros), conseguiram capacitar muitos professores leigos e equipar melhor muitas escolas.
Os desafios são inúmeros e permanecem a exigir das três esferas de governo e de todos os três poderes um pacto permanente para dar à educação a merecida prioridade. Nenhum país desenvolvido alcançou esse patamar sem que tenha investido pesadamente na formação de suas crianças, jovens e adolescentes. Mas, ver o sorriso estampado no rosto daqueles(as) que já conquistaram seu acesso a cursos superiores de qualidade que, até algum tempo, parecia inatingível por alunos da rede pública é por demais motivador e gratificante. Faz acreditarmos cada vez mais que isso é possível e concretiza, materialmente, o ideal de justiça social, de redução de desigualdades e de que o famoso “país do futuro” começa a se enxergar no presente. Demorou, mas tem chegado e que venha para ficar.
E que a propaganda se multiplique também, pois, além de não ser, no caso, nem enganosa nem abusiva, também cumpre a finalidade de dizer o que as redes privadas já faziam há décadas: “Nós
também podemos chegar lá!”. Ocupemos, portanto, os espaços que desejarmos, cada um, obviamente, fazendo a sua parte, mas cientes de que, quem tem menos condições econômicas não é, por isso, menos capaz. Apenas necessita e merece mais apoio, mais investimento, mais estímulo. É este o sentido da isonomia: tratar igualmente os iguais e tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
Parabéns a todos(as) que contribuem para a escrita deste novo capítulo de tantas histórias pessoais.
*Valdélio Muniz
Jornalista. analista judiciário (TRT-7ª Região), mestre em Direito Privado (Uni7), professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Fadat e membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC).