“A Igreja Católica, ao longo dos séculos, sempre se pautou pela defesa da dignidade humana, dos pobres e da justiça social. Mas, essa missão evangélica jamais pode ser confundida com militância ideológica”, aponta o jornalista e poeta Barros Alves
Confira:
A realização de um ato político na Catedral da Sé, em São Paulo, para comemorar os 50 anos da morte de Vladimir Herzog, reveste-se de um significado profundamente preocupante. E sob a ótica da fé católica, de caráter sacrílego. A casa de Deus é um espaço consagrado à oração, à celebração dos sacramentos e ao encontro do homem com o transcendente. Converter o altar, lugar do sacrifício eucarístico, em tribuna política é um desrespeito à sacralidade do templo e uma deturpação de sua finalidade espiritual.
A Igreja Católica, ao longo dos séculos, sempre se pautou pela defesa da dignidade humana, dos pobres e da justiça social. Mas, essa missão evangélica jamais pode ser confundida com militância ideológica. O Evangelho é libertador não porque se insere em correntes políticas, mas porque transcende todas elas. A caridade cristã não é um instrumento de propaganda; é um testemunho silencioso e eficaz da presença de Cristo no mundo.
A instrumentalização da Catedral da Sé de São Paulo, um dos símbolos maiores da fé católica no Brasil, para fins partidários ou ideológicos é um desvio da sua vocação. O púlpito sagrado não é palanque político, e o altar, onde se renova o sacrifício de Cristo, não pode servir de cenário para discursos humanos marcados por divisões e paixões temporais. A liturgia é um espaço de comunhão universal, não de disputa entre grupos ou visões de mundo.
A lembrança de Vladimir Herzog, personagem trágico da história brasileira, pode e deve ser tratada com respeito e reflexão. Mas, há lugares e modos apropriados para isso — centros culturais, auditórios, espaços públicos — e não o interior de uma igreja consagrada. Quando a fé se mistura à política partidária, ambos os campos saem empobrecidos: a religião perde sua força espiritual e a política perde sua legitimidade ética.
Cabe à Igreja reafirmar sua missão universal de anunciar o Evangelho, promover a reconciliação e ser instrumento de paz. Isso exige prudência, discernimento e fidelidade ao seu papel sobrenatural. Transformar o templo em palco político é profanar o que há de mais sagrado e trair a confiança dos fiéis que buscam ali a presença do Deus vivo, e não a retórica dos homens.
Em tempos de polarização e confusão de valores, é preciso recordar que a Igreja pertence a Cristo, não a partidos, ideologias ou correntes de pensamento. Sua autoridade moral nasce da coerência com o Evangelho, não da adesão a causas políticas. Por isso, todo gesto que dilua essa fronteira constitui não apenas um erro pastoral, mas um verdadeiro sacrilégio.
A Catedral deve continuar sendo o coração espiritual de São Paulo, lugar de oração, silêncio e comunhão, e não cenário de disputas humanas. O altar é de Cristo, e só a Ele pertence.
Barros Alves é jornalista e poeta