Com o título “Quando o Congresso afronta, o povo responde”, eis artigo de Suzete Nocrato, jornalista e mestre em Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará. “(…) como já escrevi anteriormente aqui, para que o país mude de fato, não basta o eco de um discurso que emociona o mundo. É preciso mudar por dentro, mudar esse Congresso Nacional que nos envergonha e nos assusta. Só assim poderemos reescrever nossa história com a dignidade que o povo merece”,expõe a articulista.
Confira:
A crise moral e intelectual que se instalou no Congresso Nacional – talvez a mais grave desde a redemocratização – parecia já ter atingido o fosso do poço quando parlamentares bolsonaristas se amotinaram nos plenários da Câmara e do Senado, em um ataque direto à democracia, exigindo anistia ao nefasto ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas, na semana passada, os deputados federais conseguiram ir além: aprovaram a PEC da Blindagem, que garante que só possam ser presos em caso de flagrante por crime inafiançável, amplia o foro privilegiado e restringe processos criminais contra eles. Seria o bastante? Para aqueles políticos, nunca. No mesmo compasso, aprovaram a urgência da votação do PL da Anistia – o perdão aos envolvidos na tentativa de golpe de
Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.
Ao voltar as costas ao povo, a Câmara apostou no silêncio cúmplice da sociedade e na apatia cidadã diante da afronta. Mas, como todo ignóbil, esses deputados conseguiram a proeza de reacender a chama do campo progressista. Redes sociais se inflamaram, partidos de esquerda, centrais sindicais e movimentos sociais convocaram a resistência. E assim, o que parecia ser apenas mais um domingo de início de primavera, transformou-se em um ato histórico e inesquecível, uma verdadeira festa cívica em defesa da democracia, do respeito e da civilidade, como há anos não víamos.
Milhares de pessoas indignadas ocuparam as capitais, o Distrito Federal e inúmeras cidades país afora, erguendo suas vozes em repúdio aos privilégios forjados pelos congressistas e contra o perdão aos golpistas. Foi um recado claro que não aceitarão a naturalização do arbítrio, da corrupção e do autoritarismo. Um alerta a quem insiste nesse quadro de doença social que se arrasta há décadas e que se agravou nos últimos tempos.
Vivemos, no Brasil, um carrossel de sentimentos – esperança e desencanto, confiança e espanto. Mas, naquele domingo, a rua voltou a vibrar com alma e coração, pulsando a certeza de que o vento sopra, novamente, para o lado dos ideais libertários. Defensores da liberdade e dos direitos civis e sociais se agigantaram e retomaram para si a Bandeira Nacional. Símbolo maior de patriotismo, ela foi estendida em cores na Avenida Paulista (São Paulo) e em música no Rio de Janeiro, com Gilberto Gil de verde; Caetano Veloso e Paulinho da Viola de amarelo; Chico Buarque de azul; Djavan de branco; e Ivan Lins reunidos no palco do protesto. A velha guarda da MPB, em um ato de resistência, emprestou, mais uma vez, sua voz e presença à luta contra o arbítrio e à reafirmação dos valores democráticos.
Dois dias após as manifestações, o Brasil se ergueu maior, e seu brado voltou a ecoar no cenário internacional com o 10º discurso de Lula na abertura da semana de alto nível da Assembleia Geral da ONU, reafirmando o protagonismo do país. Na tribuna, o presidente fez uma defesa firme da democracia brasileira e respondeu ao mais grave ataque à nossa soberania em quatro décadas, vindo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que esteve ausente do plenário durante a fala.
Com a altivez própria de um estadista, Lula lembrou que o Brasil deu um recado claro a todos os “candidatos autocratas”, ao mencionar a condenação de Bolsonaro pelo STF, tribunal que fez questão de defender, ressaltando ser inaceitável a agressão contra a independência do Poder Judiciário. A contundência e a clareza de sua fala, interrompida cinco vezes por aplausos, revelam não apenas a força de sua liderança, mas também a grandeza da nossa Nação diante do mundo.
Mas, como já escrevi anteriormente aqui, para que o país mude de fato, não basta o eco de um discurso que emociona o mundo. É preciso mudar por dentro, mudar esse Congresso Nacional que nos envergonha e nos assusta. Só assim poderemos reescrever nossa história com a dignidade que o povo merece.
*Suzete Nocrato
Jornalista e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará.