Categorias: Artigo

“Quem me conhece sabe”; só que não

Marcos Robério Santo é jornalista. Foto: Arquivo Pessoal.

Com o título “Quem me conhece sabe”; só que não”, eis artigo de Marcos Robério Santo, jornalista. “Já faz algum tempo que o ideal socrático do “conhece a ti mesmo” foi ficando no mínimo mais complexo e, com isso, a tarefa de nos conhecer  também ficou mais difícil para os outros”, expõe o articulista. Confira:

“Quem me conhece sabe…”. É muito provável que você já tenha ouvido ou lido essa frase em algum momento recente. Ela é um clichê e já virou até piada, de tanto que é usada quando pessoas que fizeram ou disseram algo indevido vão tentar se justificar (uma busca no Google por notícias contendo a expressão dá uma dimensão disso). Em geral, são celebridades, esportistas ou políticos (em sua maioria homens, claro) que dão alguma declaração infeliz ou fazem algo reprovável e, após repercussão negativa, buscam se retratar. Claro que pode haver nisso um pouco de desfaçatez ou até de cinismo. Porém, parece haver também a sincera crença de que aqueles que são próximos a nós sabem muito a nosso respeito. E isso é uma ilusão.

Acreditamos que temos uma essência, uma identidade que a todos se apresenta da mesma forma e é percebida de modo único, especialmente por familiares, amigos e colegas de trabalho (aqueles que realmente nos conhecem, como costumamos crer). Afinal, é com essas pessoas que passamos boa parte da nossa vida. São elas que estão presentes em momentos marcantes da nossa trajetória. É com elas que conversamos e, de alguma forma, expomos um pouco da nossa visão de mundo. Portanto, elas sabem quem realmente somos, certo? Calma lá.

Já faz algum tempo que o ideal socrático do “conhece a ti mesmo” foi ficando no mínimo mais complexo e, com isso, a tarefa de nos conhecer  também ficou mais difícil para os outros. A partir do Renascimento e passando por uma série de revoluções nos séculos seguintes, várias das antigas crenças foram derrubadas e novos conhecimentos foram surgindo. Com Copérnico, perdemos nosso lugar no centro do cosmo. Com Darwin, perdemos nossa origem divina enquanto espécie. Com Kant, Schopenhauer, Nietzsche e Freud, entre outros, perdemos o conhecimento sobre nós mesmos e o “domínio total” que julgávamos ter sobre nossas ações.

Nietzsche, por exemplo, diz em “Aurora” (1881) que é comum falarmos que nossas ações foram impulsionadas por determinados motivos. “Mas esta própria luta dos motivos traduz apenas o jogo impulsivo subterrâneo ao qual quase não se tem acesso e, caso o motivo exista, seria algo para nós completamente invisível e inconsciente”.

Posteriormente, Freud desenvolveu essa ideia e usou a metáfora do iceberg para demonstrar que o consciente representa apenas uma pequena parte de nossa mente, enquanto o inconsciente (a porção submersa do iceberg) representa uma parte imensamente maior. Atualmente, a psicologia e a neurociência ainda se esforçam para entender melhor o inconsciente.

Então, se nem nós mesmos sabemos ao certo o que motiva e o que está por trás de muitas das nossas ações, por que outras pessoas teriam tal capacidade de nos decifrar, saber “quem realmente somos” e como agiríamos em cada situação?

Cada pessoa constrói uma imagem própria de nós, com base não só no que falamos, mas também nos hábitos que temos, na música que escutamos, na roupa que usamos, nos lugares que frequentamos, nos candidatos e candidatas em quem votamos, na religião que temos ou não, e por aí vai. E é bastante provável que, mesmo no nosso grupo de melhores amigos, essas imagens construídas tenham diferenças consideráveis entre si.

Além disso, preferimos que grande parte das coisas que fazemos ou pensamos em fazer não seja do conhecimento de mais ninguém (nossos pais e mães nem queiram imaginar…). E temos uma dificuldade enorme de compartilhar problemas, ansiedades, inquietações e angústias. Aquela pessoa que aparenta estar super bem e que nas redes sociais parece levar uma vida invejável pode estar passando por um momento delicado, e é provável que mesmo as pessoas mais próximas não fiquem sabendo disso.

Isso não significa a impossibilidade de conhecer o outro nem uma negação da empatia. Abrirmo-nos verdadeiramente às relações e nos colocar no lugar do outro ainda são as melhores formas de se aproximar de alguém. Mas é bom lembrar que mesmo quem nos conhece, não sabe ou, no mínimo, sabe muito pouco de nós, e não haveria como ser diferente frente ao universo que cada um de nós é.

*Marcos Robério Santo
Jornalista.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

Esse website utiliza cookies.

Leia mais