“Sou aquela que tem mais dúvidas que certezas, a que não passa de fase no jogo porque é mais do quase que do falso completo”, aponta a jornalista, publicitária e cronista Tuty Osório
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Criada para a virtude, cedo percebi que mais do que um sapo no lugar do príncipe, havia uma sapa no espelho. Foi quando me permiti a identidade da bruxa, evidentemente, a bruxa boa, como sempre ressalto, foi aí que me desencaixei de vez, ao invés de me enquadrar.
De lá para cá sou aquela que tem mais dúvidas que certezas, a que não passa de fase no jogo porque é mais do quase que do falso completo. É dureza, porém, é a pura verdade. Se existe essa, a verdade, e creio que existe e tem poder, a minha dificilmente se esconde. Se tenta, vou à caça, teimosa e meio que, dramática, vamos combinar…
A amiga Leona veio de São Vicente, a do litoral paulista, arraial mais longevo do Brasil. Não quis hospedagem, prefere hotel, nem Air BNB rola. O trabalho começa segunda, lá pras bandas de Russas, não detalhou e como não sou de perguntas fiquei sem saber. O fato é que não tenho nada com isso, o que me interessa é o encontro. Theodora também aparece, de bico com a recusa do abrigo que ofertou, uma bobagem.
Estou com a Leo, reservadas as exceções maravilhosas, o bom é cada um no seu cafofo. Mesmo que provisório. Ela mora num paraíso escondido na Serra do Mar, já a visitei e, teoricamente, deveria retribuir o pouso. Só que a garota é a praticidade formada gente, não elabore muito que na chegada vai topar com essa mulher do demo, a versão contemporânea das verruguentas de longos cabelos. Linda e loura, contudo.
Devido à data, a conversa vira sobre a emancipação feminina, a igualdade, as feministas da sustentabilidade, de Marx, de Silvia Friederich, e por acolá vai. Liberadas pela folga, e, pelo espumante, soltamos verbo e argumento. As flores e a poesia não são esquecidas e lembro que Cecília, a harpista da revolução que se expressava com vinagre e mel, falava que tinha medo de um dia entender e deixar de sentir. Porque não entendia, apenas sentia.
Eu estou sempre à procura do entendimento. Mais. Busco, obsessiva, a compreensão, talvez? Nunca encontro. Fórmulas para a aceitação do envelhecimento, o prazer da sapiência dos anos, a nomeação de melhor para amenizar a maior. Todas me roçam sem me atravessar.
Impressionável, Theodora começa a ficar inquieta. Leona não se abala. Sem conseguir interpretar se é pouco ou muito, prefiro, por hoje, a sua capa macia que ora é transparente, tal qual casulo; ora opaca como uma gruta de pedra lisa. Não estou suportando ameaças, riscos, obstáculos.
Sequer consigo aturar a mim mesma. Só por hoje, escolho não ter consciência do patriarcado, do capitalismo, do imperialismo. Da alta dos preços, da baixa das oportunidades, a mornidão da confiança, das vantagens em chamas e dos prejuízos atirados a nós feito enxurrada, na inundação.
Mais para Hilda que para Adélia. Ou será o contrário? Só por hoje.
Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS. Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais