“A simples desregulamentação ou o mais lacônico descompromisso com a moderação do que se publica, é uma prova concreta de que estaríamos a concordar com a inevitável estupidez humana ou a barbárie nas redes digitais”, aponta o jornalista Moacir Maia
Confira:
O que querem Trump, Musk e Zuckerberg é rasgar o “contrato social” que rege, desde os séculos XVI e XVIII, o conceito e o funcionamento do Estado como o conhecemos na contemporaneidade.
No esteio de um debate estéril em que se proclama a pseudo defesa da “liberdade de expressão”, o mundo acompanha atônito as investidas de porta vozes dos mais esdrúxulos desejos de “imperialismo”, pela simples inexistência de regras de conduta que possam tratar das relações ditas humanas.
A evocação ao que parece ser uma nobre missão de defender as liberdades individuais e coletivas não é apenas um sofisma. É, na literalidade do termo, um engodo fundamentado no mais arraigado sentimento anárquico de desconstrução dos pilares de funcionamento das regras de urbanidade e civilização como conhecemos na atualidade.
Não há nem mesmo a necessidade de mergulhar muito fundo na obra de tantos que ajudaram nessa construção.
Para citar apenas um formuladores da teoria do Estado moderno, faço referencial ao suíço Jean-Jacques Rousseau, que viveu entre os anos de 1712 e 1778, filósofo que defendia a ideia de que o poder político deveria emanar do povo e que com sua obra intitulada “Do Contrato Social” influenciou a Revolução Francesa.
O contrato social segundo Rousseau, “é um acordo entre indivíduos para se criar uma sociedade, e só então um Estado. Isto é, o contrato é um pacto de associação, e não de submissão”.
Desnecessário dizer que este livro não influenciou diretamente apenas a Revolução Francesa, mas os rumos da própria História.
Como destacou Italo Miqueias, “o contrato social ou Princípios de Direito político causou furor desde sua publicação, em 1762, e eternizou-se como um dos principais textos fundadores do Estado moderno”.
Não por acaso, atribui-se ao filósofo suíço, um dos inspiradores do movimento iluminista que assolou a humanidade em meio a uma Europa majoritariamente monarquista, que defendia a legitimação sobrenatural dos governantes, uma das mais destacadas e contundentes atuações em defesa da novidade de que o poder político de uma sociedade está no povo e só dele emana. E são esses conceitos que destacam o caráter do povo soberano e da igualdade de direitos entre os homens que essa tríade quer desconstruir.
A simples desregulamentação ou o mais lacônico descompromisso com a moderação do que se publica, é uma prova concreta de que estaríamos a concordar com a inevitável estupidez humana ou a barbárie nas redes digitais, onde publicam-se e proliferam-se a mentira e o ódio contumazes.
Mesmo estabelecendo o marco definitivo para as regras de convivência em comunidade, em corpos sociais, Rousseau sempre manteve-se como um ferrenho defensor da liberdade do homem.
Liberdade e responsabilidade não são atributos incongruentes, não são excludentes entre si.
Vamos lembrar que as ideias para a formatação do Estado que vivenciamos até os dias de hoje são basilares para a construção dos valores que devem orientar a formação e a educação das novas gerações.
Caso contrario, vamos ter que conviver com um vale tudo institucionalizado que só interessa a quem quer ser soberano sem o legitimo referendo daquela camada de onde emana o verdadeiro poder: sua excelência, o povo.
Querer manipular por meio de um discurso sofismático ou mesmo mentiroso é o sonho de quem considera-se acima das leis e dos seus pares.
Um contrato pode até ser alterado em suas cláusulas, mas jamais pode ser abolido simplesmente sem colocar nada em seu lugar.
Quem prega a ruptura pura e simples desse consenso social histórico não está, nem de longe, defendendo o bem ou o interesse coletivo.
Não há porque se pensar em harmonia sem a consciência livre para aceitar a tolerância e a urbanidade como valores fundamentais. Nosso contrato social está em plena vigência, pelo menos enquanto durar os hábitos democráticos no mundo!!!
*Moacir Maia
Jornalista, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Ceará e coordenador de Comunicação Social da Prefeitura de Fortaleza, na gestão Roberto Cláudio.