Com o título “Quintal da Infância”, eis mais um conto da lavra de Totonho Laprovitera, arquiteto, escritor e artista plástico.
Confira:
No quintal de casa, cultivava-se uma pequena plantação de pés de macarrão, que cresciam obedientes à fome do dia. Quando os galhos estavam de bom humor, pendiam balas, bombons e, vez por outra, até jujubas coloridas.
Ao se abrir a porta rolada da cozinha, a claridade entrava como visita, dando bom-dia à natureza. As aves tomavam seus lugares, ajeitando penas e gargantas para mais um concerto matinal. O canário belga, que morava num ninho rendado na goiabeira, regia a orquestra de olhos fechados. O velho galo, aprumado, soltava seu canto com tanta força que sacudia as telhas. No coro, galinhas se enfileiravam como cantoras, cocoricando melodias de alma livre.
Os galos campina saltavam sobre fios invisíveis, inventando coreografias desafiadoras às leis do chão. As formigas, em marcha organizada, desenhavam caminhos secretos por entre raízes e pedrinhas. Cada uma levava consigo a promessa de um mundo onde todo vivente tem seu quinhão. O vento da manhã soprava com cheiro de flor molhada, e o sol, feito padroeiro do céu, benzia a terra e desfazia os arrepios no espinhaço dos bichos.
Lá do fundo, o converseiro da vizinhança dava sinal de que o tempo já corria – mas não corria sozinho: levava vozes, sonhos e cheiros. O sino da igreja batia junto com o cheirinho de café, saído fumegando do bule. O gato miava antes de se espreguiçar; o cachorro respondia com um latido, marcando seu território. O leiteiro surgia montado em sua bicicleta. O verdureiro vinha logo atrás, empurrando um jumento que falava baixinho com a cangalha. E, a cavalo, o vendedor de carne fresca se anunciava com voz de trovador.
Às vezes, o pescador aparecia do nada, vindo de um mar que ninguém sabia direito onde ficava. Com os pés ainda molhados, exibia os peixes sobre folhas de bananeira. Cada peixe tinha uma história, e quem comprava levava junto um segredo das águas profundas. Tratava ali mesmo, na calçada – e o cheiro de mar, misturado às escamas prateadas, denunciava o cardápio do dia do freguês.
Naquele tempo, bebia-se mais água, refresco e suco de frutas. Refrigerante era raridade, restrito a festa ou febre. E, se a criança pegasse uma febre de sapo – dessas que vêm só para pedir agrado – já era motivo para ganhar brinquedo e colo dobrado.
Era assim, desse jeito, que começavam os dias na cidade da minha infância. E quanto mais o tempo passa, mais sinto que os costumes de antigamente eram feitos com a mesma luz dos sonhos. Tudo era simples – e, por isso mesmo, fabuloso. A vida tinha outro jeito de existir. E a gente era feliz… e sabia – até quando esquecia.
*Totonho Laprovítera
Arquiteto urbanista, escritor e artista plástico.