“Inflado por um visível rancor, desistiu de se impor como uma terceira via, entre as forças de situação e as de oposição”, aponta o jornalista Valdélio Muniz
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Numa determinada nação fictícia, Oric era um personagem político muito importante. Sagaz, inteligente e firme em suas ideias, galgou postos regionais e nacionais relevantes, ora eleito pelo próprio povo, ora nomeado pelo governo central. Mas Oric sempre desejou mais. Queria alcançar o mais alto cargo político por acreditar que poderia dar sua contribuição de modo mais intenso a toda a nação.
Num país historicamente dividido entre forças políticas que se agrupavam sob diferentes partidos, Oric não hesitou em mudar, várias vezes, de agremiações, conforme as conveniências de cada momento e as perspectivas que lhe fossem ofertadas de intervir com maior expressão. Até aí, não parecia fugir muito do que parecia ser parte da cultura política local. Era compreensível a saga camaleônica de sobrevivência.
Mas o tempo foi passando e as expectativas de um dia realizar seu grande sonho, que já se tornara obsessão, ganhavam cada vez mais urgência, o que fazia com que Oric já não mais medisse seus atos e suas falas quando entendia necessário tirar do caminho quem, porventura, comprometesse a concretização de sua ambição. Adotou, a partir de então, a tese de que quem não estivesse com ele, estaria contra ele.
Nessa ânsia desenfreada por apoio incondicional à sua empreitada, escolheu como alvos até mesmo aqueles que já foram valiosos aliados. Não poupou sequer familiares que ousaram seguir por um caminho distinto divergindo de seu entendimento. Isolou-se, mas não sem se vitimizar e dizer que fora, em verdade, o traído da história. E viu seu capital eleitoral reduzir-se ainda mais a cada nova tentativa.
Mas Oric teve dificuldade de fazer autocrítica, de reconhecer que seus ímpetos autoritários não combinavam com o sistema de coalizão de diferentes forças e correntes e com a necessidade de participação democrática. A racionalidade que já fora uma de suas virtudes cedeu ao déficit de inteligência emocional e Oric foi perdendo cada vez mais espaços e limitando seu entorno àqueles que aceitavam aplaudi-lo mesmo em seus mais claros equívocos, como os antigos bobos da Corte que, na sua visão, só existem do outro lado.
Inflado por um visível rancor, desistiu de se impor como uma terceira via, entre as forças de situação e as de oposição. Definitivamente descrente da possibilidade de alcançar seu intento pelo próprio apoio dos que estavam no poder e também como via alternativa, agarrou-se, como gesto de desespero, a uma aliança inexplicável com a oposição, a quem sempre apontava como atraso, na ilusão de que os eleitores ignorariam tamanha contradição.
Oric, ao que parece, se rendeu à ideia de que os fins justificam os meios, sejam estes quais forem. Ou, tão somente, abandonou à própria sorte sua história e desistiu de vez dos seus propósitos (que um dia pareceram verdadeiramente nobres), substituindo-os por uma nova e mais urgente meta: destronar do poder, a qualquer custo, aqueles que não o ajudaram a ser ungido ao posto que tanto almejou. Esqueceu que o rancor político tende a ser o pior conselheiro. O fim da história pode até trazer uma satisfação pessoal, mas o preço poderá ser muito maior. Um alto custo à sua história e ao futuro da nação.
PS. Qualquer semelhança entre fatos e nomes será mera coincidência. Ou não. E a história não tem fim.
*Valdélio Muniz
Jornalista, analista judiciário (TRT-7ª Região), Mestre em Direito Privado (Uni7), professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Fadat, membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC)