“Deus não ditou os textos. Porém, há muitas pessoas honestamente crentes que acreditam nessa hipótese”, aponta o jornalista e poeta Barros Alves
Confira:
Um refrão é cantado por uma quase unanimidade em finais de ano, segundo o qual “Ano novo, vida nova.” A esperança é larga, mas o sonho se faz fugidio… No mundo real não existe “vida nova”. Existe vida que segue, com as alegrias e tristezas de sempre; ilusões, angústias, decepções ou realizações de objetivos almejados; colheitas de flores para uns, espinhos na carne de outros, para usar a expressão do Apóstolo Paulo. O concreto da vida é que os fracos quedam genuflexos, caem pelo caminho e dificilmente se levantam; os fortes sempre atravessam o Rubicão. Infelizmente, por esses tempos aziagos estamos formando gerações de maricas, que diante do mínimo obstáculo não conseguem atravessar um riacho.
Quando ouço as lamentações de tantos, o pessimismo de muitos em face do futuro da humanidade que parece sem futuro, – no lato sentido pejorativo que a expressão carrega – lembro que a sociedade humana jamais foi diferente, em essência, do que é nos dias que correm. Repito à saciedade que a história da humanidade é fundada na violência, que gera poder. O Padre Antônio Vieira (não o excelso orador sacro português, mas o nosso conterrâneo varzealegrense), humorista de escol, escreveu em um livro subordinado ao título “O Verbo Amar e suas Complicações”, que Deus criou o homem e determinou que AMÁSSEMOS uns aos outros. Porém, o ser humano desobedeceu o Criador e retirou o acento que torna a palavra proparoxítona, mudando o vocábulo e o mundo. Então, a leitura humana é que AMASSEMOS uns aos outros.
Para ficar apenas no contexto judaico-cristão, o Deus de Israel, do ponto de vista moral não deu saudável contribuição para uma tranquila trajetória humana. A Bíblia é, por assim dizer, um livro de sangue. Não se trata de especulação hermenêutica, mas de constatação. O primeiro crime que consta no relato bíblico foi um fratricídio: Caim matou o irmão Abel.
Não há motivos plausíveis para acreditarmos na “ipsissima verba” de Deus em diálogo com os escritores bíblicos. Ou seja, Deus não ditou os textos. Porém, há muitas pessoas honestamente crentes que acreditam nessa hipótese, porque em algumas partes da Escritura assim se sugere. Nesse caso, a situação fica mais complicada para o “Amor de Deus”, uma vez que DEUS É AMOR, segundo o texto neotestamentário. Vale, portanto, alguns exemplos do paradoxal amor de Deus. Ele, arrependeu-se (êpa!!! linguagem antropomórfica) de haver criado o homem. Mas, essa criatura foi criada à Sua imagem e semelhança!!! Onde Deus errou para arrepender-se tão cedo? O fato é que podendo convencer diplomaticamente essa criatura a mudar, Deus usa de violência. Resolve exterminar tudo, a humanidade pecadora, sob as águas do Dilúvio Universal (Gênesis 6-9). Só se salvou Noé e a família, que a rigor, como se vê noutro pé, não eram melhores do que os que submergiram à catástrofe. Posteriormente, a criatura desandou novamente. Mais violência de Deus. Desta feita contra pederastas e homossexuais, com a destruição de Sodoma e Gomorra (Gênesis 19). Na Guerra dos Reis de Canaã (Gênesis 14); na Conquista da Terra Prometida (Josué 1-12), após a travessia do deserto com todos os conflitos narrados e da carnificina que os hebreus praticaram sob a liderança de Moisés (Livro de Êxodo); o massacre dos Midianitas (Números 31), quando israelitas matam milhares de homens e prisioneiros; na guerra contra os Amalequitas (1 Samuel 15) etc… tudo foi executado com extrema violência. Davi, o grande fundador do Estado de Israel, “um homem segundo o coração de Deus” (Atos, 13.22), que passou à posteridade como o mavioso poeta dos Salmos, era também um sublime bandido, no conceito do historiador William Shirer. Enfim, dei-lhes tão somente uma ínfima partícula do relato veterotestamentário do que o ser humano é capaz em termos de maldade; e trata-se de história contada com sinceridade pelos escritores judaicos, canônicos para a Cristandade, porque inspirados por Deus, segundo os Pais da Igreja Primitiva, que sacramentaram o canôn bíblico. Oportunamente voltarei ao tema com relatos do Novo Testamento.
Por tudo o que sabemos, os de agora não se devem apavorar diante dos desatinos que vemos cotidianamente. Ecce homo! A diferença é apenas na rapidez das comunicações e, claro, na proporcionalidade populacional. E, sobretudo, na desinformação que leva à ilusão, porque nem padres nem pastores ousam levar esses delicados assuntos a púlpito. Portanto, viva a vida que segue!
Barros Alves é jornalista e poeta