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“Reforma tributária e a tragédia para o saneamento básico”

Neuri Freitas é presidente da Cagece

“A Reforma Tributária colocou o setor de saneamento na regra geral de incidência do chamado Imposto sobre Valor Agregado dual (IVA dual), que elevará a carga tributária para as companhias de saneamento básico, dos atuais 9,74% para 26,50% de alíquota padrão”, aponta o presidente da Cagece, Neuri Freitas.

Confira:

Saneamento básico é vetor de saúde, qualidade de vida, desenvolvimento socioeconômico, proteção ambiental e sustentabilidade. A afirmação é tão verdadeira quanto unânime em toda e qualquer literatura acerca do tema, nas discussões públicas e privadas, no discurso de parlamentares, instituições da sociedade civil organizada, nas diretrizes que norteiam a agenda mundial dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e, principalmente, na vida prática e cotidiana de quem utiliza os serviços essenciais prestados pelas companhias do setor.

Não por acaso, iniciamos este artigo com uma conclusão óbvia, mas que pareceu desconhecida pela maioria dos parlamentares que discutiram e aprovaram a Emenda Constitucional 132, de 20/12/2023, que alterou o sistema tributário nacional. Destacamos isso porque o texto recentemente promulgado, da forma como está posto, causará um brutal aumento na carga de tributos que hoje incide sobre o setor de saneamento básico.

Basicamente, a Reforma Tributária colocou o setor de saneamento na regra geral de incidência do chamado Imposto sobre Valor Agregado dual (IVA dual), que será composto por dois tributos recém-criados: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Isso significa que a carga tributária para as companhias de saneamento básico passará dos atuais 9,74% para 26,50% de alíquota padrão, que recairá sobre o setor, até então, sem nenhum regime diferenciado de tributação. Os dados foram revelados com suporte no estudo realizado pela GO Associados, em parceria com a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (AESBE), representante de 24 companhias estaduais, e a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON/ SINDCON), que representa 13 holdings e 130 concessionárias do setor.

Atualmente – é fundamental destacar – em decorrência da relevância social e essencialidade do serviço para a população, o setor de saneamento básico contribui apenas com o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), que são tributos federais sobre o consumo, mas que foram extintos na reforma tributária para dar lugar à CBS.

Demais disso, hoje, serviços de saneamento básico não estão sujeitos ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), cobrado pelos municípios. Isso ocorre por um veto presidencial a dois itens da Lei Complementar 116/2003, que excluiu a prestação dos serviços de saneamento das atividades sobre as quais o tributo deve ser cobrado.

Mais adiante, em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela não incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) sobre o abastecimento de água tratada a população. De acordo com a decisão da Suprema Corte, o fornecimento de tal serviço por empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas não caracteriza uma operação de circulação de mercadoria.

Em tais circunstâncias, nunca é demais reforçar o fato de que o IBS, que servirá de base para cobrança do IVA dual, que irá refletir, mesmo de modo escalonado, nos serviços prestados pelas companhias de saneamento, é um imposto criado pela unificação do ISS e ICMS. Ou seja, constituem tributos que até então não faziam parte da carga tributária do setor e que agora surgem à tona.

Haja vista estes fatos, é urgente que a regulamentação da Reforma Tributária atual passe a considerar as especificidades e essencialidades do setor de saneamento, por meio de regramento diferenciado para as companhias prestadoras dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Com efeito, ao se considerar, neste passo, a necessidade de acelerar investimentos para disponibilizar os serviços prestados de maneira universal, essa urgência torna-se ainda maior.

Caso contrário, a reforma afetará diretamente, de maneira negativa, a sustentabilidade econômico-financeira das companhias e os investimentos realizados pelo setor para cumprir os prazos e metas de universalização pactuados no Novo Marco Legal do Saneamento.

Impende lembrar que o Brasil é um país onde metade da população ainda não possui cobertura de esgotamento sanitário e, pelo menos, 15% das pessoas, ainda não têm acesso a água tratada. O setor de saneamento é proporcionalmente a área que possui maior necessidade de investimento no País, alcançando quase R$ 900 bilhões. Por certo, o atual texto da Reforma Tributária tornará mais distante o acesso aos serviços para milhões de brasileiros.

Outro ponto negativo, e que merece muita atenção neste debate, diz respeito ao impacto da reforma tributária na modicidade das tarifas praticada pelas empresas prestadoras dos serviços. O aumento da carga tributária trará uma série de riscos à dinâmica de repasse às tarifas e à capacidade dos consumidores suportarem essa majoração. No mesmo estudo realizado pelas entidades do setor, em parceria com a GO Associados, estima-se um acréscimo médio de 18% nas tarifas cobradas aos consumidores, com efeito de queda próxima a 26% nos investimentos para universalização.

Por tal pretexto, uma saída viável para solucionar o imbróglio, sem dúvida, é a equiparação do saneamento básico ao mesmo tratamento tributário concedido ao setor de saúde, com redução de 60% das alíquotas de CBS e IBS, conforme preconiza o art. 9º, § 1º, da Emenda Constitucional 132/2023.

A solução terá o efeito de restaurar a neutralidade tributária, de modo a não gerar incrementos significativos na carga tributária efetiva. Com isso, a economia ensejada com a melhoria das condições de saúde da população até 2040, por meio do saneamento básico, estaria habilitada a alcançar R$ 25 bilhões para o País, segundo as projeções.

A equiparação do setor de saneamento à saúde sustenta-se na premissa básica do acesso à água potável e ao saneamento, direitos essenciais para a concretização da dignidade da pessoa humana e atendimento a preceitos constitucionais da maior magnitude. Estudos consolidados e de amplo conhecimento apontam a direta relação entre os serviços de saneamento básico e a saúde humana, em uma interligação de causas e consequências que, ao final, militam em favor da concretização de direitos fundamentais e da otimização dos custos com a saúde pública

De efeito, reconhecendo o caráter de saúde pública para o saneamento básico, a Reforma Tributária evitaria maiores choques sobre a população, como o aumento das tarifas e a própria retração de investimentos para expandir as infraestruturas de abastecimento de água e esgotamento sanitário tão essenciais para a universalização dos serviços.

De outra vertente, impositivo é reconhecer-se que, com a introdução de um sistema tributário por valor adicionado, com foco orientado para a tributação sobre o consumo, o Brasil moderniza a arrecadação e se alinha à maioria de outros países. A inciativa é bem-vinda e é sabido que procura promover maior justiça tributária e garantir mais transparência ao valor pago em tributos.

A exclusão do saneamento básico, contudo, da lista das atividades que receberam o benefício da alíquota diferenciada é motivo de inconformismo pelo setor, que trabalha arduamente para cumprir a missão de levar serviços básicos e essenciais para a população, inclusive para pessoas vulnerabilizadas socialmente.

É preciso ressaltar o fato de ser objetivo da Reforma Tributária contribuir para melhorar aspectos sociais, ambientais e de saúde no país, reduzindo também externalidades negativas e garantindo direitos humanos fundamentais. A própria Constituição Federal, artigo 196, estabelece que saúde é direito de todos e dever do Estado, assegurado mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem como ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Mais à frente, no artigo 200, inciso IV, a Carta Magna destaca que ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei, participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico

Sendo assim, por que o saneamento básico não está contemplado em regime especial de tributação, uma vez que se fala sobre um serviço com relação estreita e afinada com a melhoria dos indicadores de saúde, o combate às doenças de veiculação hídrica, a promoção de uma vida social mais saudável para as pessoas?

Durante a atual fase de regulamentação da reforma tributária, que tramita no Senado Federal, é necessário que entidades do setor, organizações da sociedade civil e população em geral estejam cada vez mais mobilizadas para solicitar aos congressistas, aos técnicos que orientam os estudos em torno do novo sistema tributário, para que aprofundem o tema e revejam o tratamento concedido ao serviço de saneamento básico.

Saneamento é saúde, e o Brasil precisa garantir os investimentos e a expansão dos serviços para todos! Não é possível inviabilizar o pagamento desta dívida histórica com a população brasileira.

Neuri Freitas é presidente da Aesbe e Cagece

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