“República dos Pinóquios” – Por Jurandir Gurgel

Jurandir Gurgel é mestre em Economia e membro da Fundação Sintaf-Ceará. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “República dos Pinóquios”, eis artigo de Jurandir Gurgel, mestre em Economia e membro do Conselho Curador da Fundação SINTAF. “As narrativas buscam sempre se aproveitar de um fato político que possa explorar algum medo difuso existente na sociedade, e soma-se a isso a camada conspiratória”, expõe o articulista.

Confira:

Ao decidir sobre o tema a ser abordado neste artigo, vislumbrei algo que está chegando ao nível do absurdo, a propagação de “Fake News” em nossa sociedade. Penso que, se Joseph Goebbels tivesse à sua disposição as redes sociais de hoje, faria uma farra com a disseminação de mentiras. Ele foi uma das principais mentes por trás do nazismo. Foi o ministro da Propaganda da Alemanha Nazista e, portanto, liderou toda a publicidade do regime e de sua ideologia, atribuindo-se a ele a famosa frase: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade". Enfim, o estrago seria colossal nos dias de hoje.

Existe um parodoxo na mentira, sendo verdade a ideia de que na mentira sempre há uma certa força de credibilidade; porque as massas de uma nação são sempre mais facilmente corrompidas nas camadas mais profundas de sua natureza emocional do que consciente. E assim, na simplicidade primitiva de suas mentes, é que o risco da exaltação da mentira está à distância pouca de um clique.

Chamo a atenção para exemplos dessa disseminação das mentiras. Segundo o serviço Senado Verifica constatou, em relação a tragédia das enchentes do Rio Grande do Sul, houve denúncias falsas de doações barradas por autoridades, especulações sobre o número de mortos e até falsos alarmes sobre evacuação de cidades. Mais Recentemente, muitos brasileiros que abriram as redes sociais e os grupos de WhatsApp receberam mensagens como essas em forma de vídeo, foto e texto: “Tire seu dinheiro do Brasil”; “Brasileiros sacando seu dinheiro pelo risco Moraes/Dino”.

As narrativas buscam sempre se aproveitar de um fato político que possa explorar algum medo difuso existente na sociedade, e soma-se a isso a camada conspiratória. A lógica de atuação do ecossistema dos extremos da política nos aplicativos de mensagens vive de aberturas de janelas de oportunidade, não importa se vão causar o pânico e dano; vide o caso do sistema financeiro. Outro caso emblemático de disseminação de fake News é o do movimento antivacinação, cuja consequência foi o crescimento alarmante no número de casos de sarampo no Brasil.

Nosso país é um terreno fértil para propagação de fake news. De acordo com estudo realizado pelo instituto Ipsos, 62% dos entrevistados no Brasil admitiram ter acreditado em notícias falsas, valor muito acima da média mundial, que é de 48%. Também somos um paradoxo: na medida que nós somos a sociedade que mais acredita em notícias falsas, somos ao mesmo tempo o país que afirma se preocupar mais com o que é falso e verdadeiro entre as informações que circulam na internet.

No espectro da mentira incluo a prodigiosa profusão da arte do sofisma de alguns parlamentares. Causa perplexidade saber que nossos congressistas querem o fim do foro privilegiado (PEC 333/2017) e trabalham pela PEC das prerrogativas (PEC 3/2021). Qual mentira está sendo escamoteada e que pode enganar a opinião pública? Fato é que ambas as PECs foram impulsionadas, no início de agosto, em reação à decisão de um Ministro do STF de decretar a prisão domiciliar de um ex-presidente. Na ocasião, parlamentares bloquearam plenários e sessões exigindo que o Congresso avaliasse pautas caras a esse grupo, como a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 e o impeachment de determinado ministro do STF. A verdade por trás do debate é a tentativa de blindagem das investigações que tramitam no STF contra mais de 30 deputados e senadores, por isso as PECs fizeram parte do pacote de negociação.

Outro ponto relevante diz respeito ao princípio fundamental insculpido em nossa Constituição, disposto no parágrafo único do art. 1º, cuja dicção define que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição. Pelo modus operandi de alguns parlamentares, estão transformando um princípio fundamental em mentira. A sociedade espera do Parlamento soluções para sua vida real, não de retrocessos e de temas casuísticos. É preciso avançar em pautas que estão tramitando no Congresso que, de fato, vão ao
encontro dos interesses legítimos dos brasileiros.

Por fim, outra preocupação é o aviltamento dos nossos valores civilizatórios, que são princípios estruturantes da existência de um povo, expressos nas suas práticas e formas de estar no mundo. Todavia, parcelas da sociedade têm grande responsabilidade por dar vazão ao engajamento e o repasse de conteúdo em redes sociais sem um mínimo de criticidade racional e moral. A mentira, representada pelo nariz que cresce, tem tido espaço nessa República dos Pinóquios. Por tudo aqui exposto, lembro-me de uma frase do agora saudoso Luis Fernando Veríssimo, ao afirmar que “o mundo não é ruim, só está mal frequentado”.

*Jurandir Gurgel

Mestre em Economia e membro do Conselho Curador da Fundação SINTAF.
jggondim@terra.com.br

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