“Ciro com a acidez que acompanha seu raciocínio atilado, conhecedor da realidade econômica do país e dominando o funcionamento de suas instituições econômicas e políticas não faz propriamente críticas, mas ataques e denúncias”, aponta o jornalista Dilermando Toni. Confira:
Amiúdam-se as críticas ao governo Lula partindo de quadros com grande experiência na vida pública e que em outras ocasiões estiveram apoiando e participando do projeto encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores, projeto esse que atualmente navega com uma frente amplíssima, bastante heterogênea, da esquerda – onde está o PCdoB – à direita, com o objetivo da Reconstrução e Transformação do Brasil. Em um quadro de imensas dificuldades, após quase um ano e meio de vida, no qual a extrema direita derrotada nas urnas por margem apertada de votos mantem-se ativa tendo como base um Congresso Nacional de feição extremamente conservadora.
Requião, Ciro e Aldo têm tomado posições que os colocam longe ou mesmo em oposição ao governo. Pela envergadura política desses homens, pela sua origem e trajetória é bom prestar-lhes atenção e examinar criticamente suas opiniões. Na condição de mero observador da cena brasileira arrisco aqui alguns palpites.
Roberto Requião foi três vezes governador do importante estado do Paraná, duas vezes senador da República fez toda a sua carreira política no MDB, integrando uma ala arejada chamada de MDB Velho de Guerra. Antes do pleito presidencial de 2022, devido à polarização entre as forças progressistas e a ultradireita bolsonarista, optou por entrar no PT, tendo sido peça importante da campanha vitoriosa de Lula. Sua trajetória é marcada pela crítica acerba ao neoliberalismo e à oligarquia financeira, em defesa do Estado nacional e do desenvolvimento soberano.
Ciro Gomes foi governador do Ceará, prefeito de sua capital, deputado estadual e federal, além de ministro de estado. Foi quatro vezes candidato a presidente da República, passou por vários partidos políticos e hoje está no PDT. As gestões de Ciro estiveram em consonância com os interesses nacionais e populares tendo por isso alcançado alto prestígio em sua terra. Nas duas últimas vezes em que concorreu a presidente Ciro se colocou em oposição à candidatura Lula tentando criar uma terceira via e se dizendo portador único de um projeto de desenvolvimento nacional que estaria ausente das propostas da Federação Brasil da Esperança – PT, PCdoB e PV.
Aldo Rebelo esteve até anos recentes filiado do PCdoB, presente nos altos escalões da direção partidária. Foi presidente da UNE, vereador na capital de São Paulo e deputado federal por cinco mandatos representando aquele Estado. Foi ministro do Estado nos governos Lula e Dilma e também presidente da Câmara dos Deputados em cuja condição teve importante papel da defesa do mandato de Lula. Como deputado seu mandato ficou marcado por ter sido relator do polêmico Código Florestal e como ministro por ter se transformado em embandeirado defensor das Forças Armadas brasileiras. Em 2017 acabou por romper com o partido dos comunistas, e iniciou uma peregrinação por outras siglas estando atualmente filiado ao MDB, engajado no projeto político do atual prefeito de São Paulo, exercendo o cargo de secretário de relações internacionais da prefeitura.
Requião em entrevista recente a AEPET TV anunciou sua saída do PT avaliando que o governo tomou uma feição de centro-direita conduzindo uma política econômica que não teria diferenças essenciais com a política liberal anterior de Paulo Guedes, fortemente submetida aos banqueiros e ao pagamento da dívida pública através de juros escorchantes estabelecidos pelo Banco Central independente. Diz-se profundamente contrariado com a regressão da orientação adotada para a Petrobras – atualmente controlada por fundos de investimentos estrangeiros – na distribuição de dividendos que estaria minando a capacidade de investimentos da empresa. Constata a queda do prestígio do PT e do arranjo político que lhe dá base prevendo que nas próximas eleições presidenciais a direita neoliberal poderá ser vitoriosa, com alguém tipo um Javier Milei brasileiro, diz ele. Conclama, pela esquerda, a uma mudança dos rumos adotados até aqui com a ruptura com o liberalismo econômico. Por fim diz que está em busca de uma alternativa organizativa com a qual possa desenvolver suas ideias e projetos. Diz querer mais do que o governo vem fazendo só não diz concretamente como enfrentar na prática desafios tão grandiosos.
Ciro com a acidez que acompanha seu raciocínio atilado, conhecedor da realidade econômica do país e dominando o funcionamento de suas instituições econômicas e políticas não faz propriamente críticas, mas ataques e denúncias que vão do econômico, passam pelo arcabouço institucional do país, até os costumes, colocando-se em oposição frontal ao governo federal. Isso é o que se pode extrair da longa entrevista que concedeu a Jovem Pan nos finais de março. O PT (“com seus puxadinhos”) e Lula são seus alvos prioritários. Culpa-os por todos os males que afligem o Brasil atualmente. Vê o dedo do PT na expansão das milícias e do crime organizado das facções criminosas, na conivência com a independência do Banco Central e seu atual presidente, no pagamento de R$ 728 bilhões em 2023 aos donos das finanças e do capital especulativo. Diz-se mais livre para falar o que quiser por não ter mais pretensões eleitorais e fala de um acordo (esdrúxulo) que fez no PDT: ele, na condição vice-presidente em oposição visceral enquanto o presidente licenciado do partido exerce o cargo de ministro do governo. Faz também críticas contundentes sobre a situação de seu estado, o Ceará e uma avaliação extremamente pessimista para o próximo pleito municipal prevendo uma derrota contundente do PT e do restante da esquerda em todo o Brasil. Ciro não junta Lé com Cré. Hoje é um livre atirador que, com a aproximação das eleições municipais, vem ganhando espaço na mídia.
Aldo protagoniza uma mudança de campo. Da esquerda passando pelo centro e agora nos braços da direita. Suas críticas situam-se no terreno político, exatamente naquilo em que o governo Lula e o Supremo Tribunal Federal têm de mais importante, a defesa da democracia. Assim, Rebelo avalia que os acontecimentos de 8 de janeiro quando foram feitos ataques e depredações às sedes do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto, não configuraram uma tentativa de golpe de Estado. Disse ao InfoMoney agora no mês de abril que “os acontecimentos do dia 8 de janeiro de 2023 não podem ser caracterizados como uma tentativa de golpe de Estado.” Afirma que Bolsonaro está sendo vítima de casuísmos jurídicos, que ele chama de artifícios, para afastá-lo da vida pública. Ao mesmo tempo afirma, como opositor, que Lula não tem capacidade para governar com base em alianças heterogêneas responsabilizando-o pelas dificuldades de construir o apoio da maioria do Congresso Nacional. Na questão da disputa para a prefeitura de São Paulo na qual está engajado, diz que a cidade precisa de uma administração feita por forças heterogêneas como a atual e que o candidato Boulos do PSOL, que conta com o apoio do PT, do PCdoB, do PDT entre outros, protagonizou recentemente um movimento de sabotagem contra o Brasil. Na essência renega seu passado, embora se julgue coerente. Esconde-se atrás do combate ao identitarismo para dizer que o PCdoB não é mais um partido de esquerda, pois teria abandonado as bandeiras de defesa da soberania nacional. Assume uma feição de nacionalista de direita ao encarar as bandeiras nacionais totalmente autonomizadas das reivindicações dos movimentos sociais. Esse é o novo Aldo Rebelo que já nasce velho, conservador, anti-esquerda.
Desses três personagens em questão somente Requião se mantem no campo da crítica, sem fazer uma oposição ao governo, mas chama a uma mudança de rumos. Ciro e Aldo colocam-se no campo da oposição, Ciro aberta e ferozmente, Aldo com um manso disfarce. Aldo é o que faz o movimento mais profundo, da esquerda à direita, engajado em um projeto conservador. Como é de costume acontecer em casos deste tipo todos se acham coerentes e levantam críticas algumas das quais têm base real. O problema central é que por esse mecanismo de unilateralidade desconhecem ou encobrem a questão crucial, o ponto forte e fundamental do governo de Lula, a defesa intransigente da democracia. Nesse terreno o governo tem conquistado vitórias importantes sobretudo quando desmascara as gravíssimas manobras golpistas perpetradas por Bolsonaro et caterva. Nem uma palavra também quanto a importantíssima linha da política internacional adotada pelo governo, alinhada aos Brics e à construção de uma ordem multipolar de paz e desenvolvimento das nações. Ou ainda quanto aos avanços na área da Ciência e Tecnologia. Como se pode fazer uma análise crível sem abordar esses assuntos?
A realidade deve ser encarada no seu conjunto sem desconhecer, porém, os impasses que prendem o governo: propondo mudanças e transformações pode se isolar no Congresso nacional de maioria conservadora, de direita e de extrema direita. Não propondo, tende a se isolar do povo. Pelo menos três pesquisas recentes mostram igualmente uma certa queda na avaliação positiva do governo e do presidente. Então como seria possível avançar com uma correlação de forças desfavorável? Diante das dificuldades e das pressões constantes do Centrão, Lula para se equilibrar e foi fazendo sucessivamente ajustes no governo que acabaram por dar-lhe um caráter mais centrista. Mas isto tem que ser visto tanto pela composição ministerial como pelos programas que o governo luta por implementar. Essa não é, portanto, a mesma opinião de Requião nem de José Dirceu que com ele concordou. Além da correlação de forças desfavorável deve-se ter em conta que o PT como um partido democrático, reformista tende naturalmente à conciliação menosprezando a importância da mobilização social, nas praças e nas ruas, para que se conquistem vitórias. Tem ainda um amplo apoio popular, mas se distanciou muito das bases.
O que os setores mais consequentes da esquerda devem insistir em fazer em uma situação como essa? Eles devem preservar os aspectos positivos do governo, sua característica principal. Há que se fazer críticas sim, porém construtivas, visando fortalecer as propostas mudancistas.
Frente Ampla e fortalecimento do núcleo da esquerda buscando aprofundar o caráter democrático do governo tendo como alvo a ultra-direita bolsonarista e a neutralização dos setores conservadores. Trabalhar com essa orientação política nas eleições municipais que se aproximam afim de acumular forças para 2026;
Insistir na mobilização popular como única forma possível para sair do impasse. Aos partidos de esquerda e suas principais lideranças cabe mobilizar o povo, e não exclusivamente ao movimento sindical e popular. Isso poderia ser sintetizado na consigna Vamos pra rua com Lula!;
Adotar bandeiras econômicas e sociais que permitam a retomada imediata do desenvolvimento com base no investimento público e privado, bem como a melhoria das condições de vida da população tais como renegociação dos prazos e volumes de vencimento dos juros da dívida pública visando mudar imediatamente seu perfil, fortalecimento do caráter público da Petrobras, reestatização da Br Distribuidora, das refinarias da Petrobras e da Eletrobras. Política de preços dos combustíveis baseada no mercado interno, no interesse nacional. Afastamento do presidente neoliberal do Banco Central e adoção outra política de juros, baixos, que se coadune com o objetivo do desenvolvimento nacional. Taxação da renda dos superricos tanto dos lucros como dos dividendos. Isenção do IR para as camadas mais pobres. Política de reajustes do salário-mínimo para trazer melhoria substancial na renda dos trabalhadores e aposentados, de acordo com as propostas do movimento sindical. Medidas efetivas de Reforma Agrária de acordo com as reivindicações dos movimentos de trabalhadores pela terra;
Azeitar o sistema de comunicação para que as conquistas efetivadas possam chegar ao conhecimento de amplas parcelas da população.
Dilermando Toni é jornalista, ex-editor de A Classe Operária, autor na revista Princípios e ex-integrante da direção nacional do PCdoB