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“Rodas de conversa”

Tuty Osório é jornalista e escritora

“Meu pai era mesmo um líder de papo, um querido que deixou suas pegadas por onde andou”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório.

Confira:

O Boteco é um clássico. Porta e janela, mesas na calçada, água empoçada na rua, cheiro não identificado. Às vezes inofensivo, outras, desagradável. O boteco e o cheiro. Frequentei com meu pai, quando estava por aqui e me convidava com um poder de convencimento inegociável. Não que não curta essa tradição de quase todas as cidades, de Caucaia a Genebra.

Esse que o pai elegeu é meio controverso demais. Muito exposto a assaltos, muriçocas e conversas inconvenientes. Embora comigo, diretamente, não tenham ocorrido. Talvez pela idade de meu pai, eu julgasse que deveria frequentar lugar mais confortável. Pelo mesmo motivo, os anos em veloz avanço, não lhe negava companhia e sempre que podia lá estava eu, de ouvido aprumado no tema do momento.

O dono é um discípulo de Seu Lunga, lendário mal humorado do nosso Cariri. Um jovem de trinta e poucos, no tempo que meu pai morreu me chamou quando eu passava na rua e expressou timidamente a sua desolação. Fiquei emocionada pela óbvia tristeza do evento e por saber ser difícil ao rapaz tamanha sociabilidade. Meu pai era mesmo um líder de papo, um querido que deixou suas pegadas por onde andou.

O Boteco continua firme, na mesma porta e janela de grades pretas, vendendo de tudo, inclusive engov e neosaldina, socorro das demandas de última hora. Umas latinhas geladas, um pacote de biscoito casual. Cigarros, nem pensar. Assim respondeu o responsável sisudo, certa vez que a pergunta escapou de um desavisado. Não tem problema, parei mesmo, respondeu, frustrado, o ousado em recaída.

Dia desses cheguei de viagem, feriado em meio de semana, e só o Boteco exibia as cortinas de ferro levantadas no ar quente da tarde. Pelo menos a poucos metros de casa. Fui lá arriscando umas cervejinhas para tomar no repouso da varanda ajardinada da minha mãe. Ronaldo me recebeu com meio sorriso, o que já considerei uma imensa deferência. Informou, no máximo de sua eloquência que agora aceita cartão. Com uma dor de saudade, apanhei a sacola onde guardara as Puro Malte e voltei devagar, calçada fora.

Saudades de meu pai, das conversas em volta das mesas capengas seguras com calço de cartão, das trocas simples que nos enchem de doçura a realidade e a fantasia.

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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