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“Rogério Franco, Batista de Lima e a psicodelia nordestina”

Dawlton Moura é produtor cultural e compositor. Foto: Internet

“Rogério já era um compositor bastante aplaudido, quando musicou o poema de Batista de Lima”, aponta o jornalista e produtor musical Dalwton Moura. Confira:

No fim da rua as carnaubeiras do senhor Deirinha, mangueira

Avisam quando vem gente

Avisam que o Ford de Filinto estancou lá na ladeira

E vem voltando de ré…

Rogério Franco, cantor, compositor de centenas de canções, premiado em dezenas de festivais, produtor musical de inúmeros discos e shows, personagem de destaque na cena cearense, e Batista de Lima, professor, poeta, crítico literário, cronista, colunista, se encontraram nesta canção, em algum espaço do tempo.

O mesmo espaço/tempo que tem suas regras e seu fluxo suspenso pela canção.

Pelo poema tornado música. Pela atenção sequestrada. Pela sensibilidade capturada. Pela psicodelia nordestina de “Carnaubeiras de Deirinha”.

Avisam com seu buchicho

Que chega o Circo Fuxico

Procurando um sanfoneiro…

Rogério já era um compositor bastante aplaudido, quando musicou o poema de Batista de Lima, nesse encontro de duas cenas que infelizmente, agora como antes, pouco se comunicam, em termos criativos. E em outros campos também. Felizmente, esse muro deixa frestas – como diria o canadense Leonard Cohen. Há uma fresta em tudo que existe. É por ela que entra a luz.

A gravação inicial foi feita com arranjo de Rogério e de Herlon Robson, mago dos sons, multi-instrumentista a partir dos teclados e do acordeom, explorador de mil timbres, loops, timbres, paisagens sonoras. E já era arrebatadora! A canção em si, que já mobiliza coração e mente mesmo em formato voz e violão, ganhou contornos psicodélicos, impressionistas, surreais, na concepção de arranjo da dupla e na execução das camadas sonoras propostas por Herlon. Um clássico escondido, por muitos e muitos anos, por questões outras que fogem ao campo da música, ao universo da criação.

Eis que em pleno 2024 as carnaubeiras retornam ainda mais instigantes e misteriosas. Com novo violão de Rogério Franco, com viola de 12 cordas e com um incrível baixo fretless tocados por Anfrísio Rocha, do Estúdio Som do Mar, sob as bênçãos do sol, do mar, do vento da Praia de Iracema, em Fortaleza. Os acréscimos colaboraram ainda mais para que a tessitura da canção fale à sensibilidade do/a ouvinte.

No fim da rua as carnaubeiras do senhor Deirinha
Amadurecem cheganças…

Cheganças de quem dedica a vida à lida das canções, desde sempre. E que em algum momento da década de 2000 compartilhava uma varanda na Praia do Futuro de Lúcia, Lucas, Gabriel e do compositor cearense Paulo César Oliveira, que antes de tomar o rumo do planalto central reunia em torno de si Rogério Franco, Genilda, Alan Mendonça, Fernando Rosa e outros convidados e convidadas mais bissextos, para noites de brisa, violão e canção. Rogério e Genilda recebiam a turma também em uma casa na Lagoa Redonda, uma casa que ainda não acabara de ficar pronta. Estava em pleno nascimento, assim como as canções e como tantos capítulos da vida dos convivas, que só com o tempo o descobririam.

E havia os festivais, as derradeiras idas a Camocim, onde Paulo César conquistou o primeiro lugar em 2002 e não se classificou em 2003, onde Fernando Rosa, Rogério Franco subiam ao mesmo palco que apresentava canções de Alan Mendonça nas vozes de intérpretes como Joyce Custódio e o grupo vocal Cinco em Ponto. Quando Camocim deixou de realizar o evento, o bastão passou para Meruoca, em cujo festival a turma da “varandinha” foi destaque em várias edições.

E havia os shows, produzidos mesmo que a fórceps na cidade que ainda não acordou para sua música e seus músicos. Rodger Rogério no Anfiteatro do Dragão do Mar, estreando “As Deusas d´Iracema”, composta com um parceiro de 20 anos, e no Teatro Sesc Emiliano Queiroz, na Duque de Caxias, cantando “Do Tempo e das Águas”. Rogério Franco ali mostrando algumas das canções que tempos depois estariam no disco “Futuro e Memória – Música do Ceará”. Paulo César Oliveira no mesmo teatro com show 100% autoral, assim como no Centro Cultural Banco do Nordeste no antigo e memorável endereço na Floriano Peixoto. Eugênio Leandro, nos bastidores do mesmo Emiliano Queiroz, contando que acabara de gravar “Enquanto a cidade dorme”, uma belíssima canção de rapazes de 20 anos: Alan Mendonça e, do grupo Argonautas, Rafael Torres. Chico Pio e seu show voz e violão, que por pouco não virou “Chico Pio Sem Voz Nem Violão”.

E havia Fhátima Santos, Késia, Lily Alcalay, Davi Duarte, Paulo Façanha, Edmar Gonçalves, Kátia Freitas, Mona Gadelha, Humberto Pinho, Gilmar Nunes, Luciano Robot, Isaac Cândido, Marcus Dias, Serrão, Joaquim Ernesto, Érico Baymma e tantos, tantos outros e outras. E havia Tarcísio Sardinha, Adelson Viana, Marcio Resende, Ricardo Leite, Carlinho Patriolino, Carlinhos Ferreira, Aroldo Araújo, Nélio Costa, Edmundo Jr. , Luiz Miguel Caldas, Adriano Azevedo, Denilson Lopes, Luizinho Duarte, Romildo Santos, David Krebs, Aquiles, Marcos Vinnie, Italo Almeida, Lu Basile, Lucile Horn, Tony Maranhão, Ana Cléria, Cristiano Pinho, Mimi Rocha, Pádua Pires e tantos, tantos mais…

As carnaubeiras de Deirinha viajaram no tempo, venceram o muro entre a música e a literatura, a universidade e os bares, o lattes e o malte, a “intelectualidade” e o coloquial, a poesia de bancada e a oralidade, o poema de livro e a canção. Chegam ao lançamento da canção, neste maio de 2024, com o mesmo poder arrebatador, o mesmo alumbramento de quando seu buchicho começou a ser ouvido por poucos, em algum lugar, tempo, instante, desejo, emoção impossível de se recordar ao certo, de se refazer de fato, de se recriar. Mas vale a pena tentar.

Dalwton Moura é jornalista, produtor cultural, crítico musical, formado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), tem mais de 20 anos de carreira. É músico, compositor, produtor cultural, articulador e divulgador da cena cearense, tendo lançado os discos “Futuro e Memória – Grandes Nomes da Música do Ceará” (2018, com Rogério Franco e mais de 30 músicos de cinco gerações); “Sonho ou Canção”; (2019, com Luciano Franco e mais de 40 músicos de Ceará, São Paulo, Rio de Janeiro e Estados Unidos) “Velho Menino” (2019, EP em parceria com Rodger Rogério) “Milito Franco Moura”, (2020, EP em parceria com Osmar Milito e Luciano Franco) “Futuro e Memória 2 – Música do Ceará”, com álbum e especial audiovisual (2021), reunindo 15 músicos de cinco gerações). Foi repórter de política e de cultura, editor de cultura no Diário do Nordeste, de 2001 a 2010. Foi professor substituto na UFC. Foi coordenador de Comunicação da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult). Foi coordenador de políticas para a Música, da Secultfor. É autor do livro “Nos Acordes do Jazz & Blues”.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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