“Para que alguém iria roubar um ganso? Ainda mais uma dupla que tanta alegria levava a quem passeava na região. Que maldade é essa do ser humano? Tá valendo tudo em troca de uns míseros reais?”, aponta o jornalista Paulo Rogério
Confira:
Ele tinha o porte altivo, pescoço grosso e longo. Bem branquinho. O corpo era forte, acima do dos demais. Andava a passos firmes, mostrando a autoridade que tinha. Seus olhos pretinhos estavam sempre em alerta, mirando possíveis adversários. Se preciso, encolhia o pescoço, grassitava muito e partia em direção ao rival em uma velocidade de fazer inveja a Usain Bolt.
Seu nome – para não deixar dúvidas a possíveis críticos – era Lampião. Entre as dezenas de aves que ocupam o pedacinho de zoológico montado logo no início do parque Rachel de Queiroz, em Fortaleza, o nosso rei do cangaço mandava no pedaço. Quando passava, os caminhos se abriam entre marrecos, patos, pombos e outros gansos ali existentes.
Lampião não estava só. Tinha sua Maria Bonita, uma gansa charmosa, não tão alta quanto o companheiro, mas toda branquinha, apenas com o bico alaranjado e molejo especial quando andava. Deve ter sido esse molejo que encantou nosso Rei do Cangaço. Os dois eram inseparáveis. Nadavam juntos, andavam lado a lado, dormiam juntinhos. Se alguém se aproximasse da amada, Lampião já armava o bote e grasnando o mais alto possível avançava para bicar. Ai de quem estivesse por perto!
O casal de gansos era a atração da criançada que visita diariamente o Parque. Órfãos de natureza, criados em apartamentos cubículos, a meninada se diverte com as peripécias dos bichos. Se admiram com o baile dos marrecos no céu no fim da tarde. Riem com o andar desengonçado dos patos, com a beleza misteriosa das garças, das galinhas d’agua, dos pardais, pombos. Coisas simples que substituem com maestria celulares, games e os tais mangás orientais.
Bendito seja quem teve a iniciativa de criar esse pequeno oásis animal dentro da agitada Fortaleza de shoppings e prédios megalômanos, babeis do século XXI. Bendito seja quem tem doado material, alimento e tempo para se dedicar aos bichinhos do local. Gente como o seu Jovino, um jaguaribano, aposentado, que dedica uma parte do dia para cuidar do ambiente e zelar pela assistência das aves. Coisa que faz com prazer.
Pois não é que roubaram Lampião e Maria Bonita. Um absurdo, mas nem o casal mais famoso do Parque escapou da violência urbana. Sucumbiram à gana de algum meliante da região e viraram saudade entre os frequentadores. Ninguém viu a ação dos gatunos, nem ouviu a possível barulheira que Lampião deve ter feito para proteger a amada e seu território. O roubo foi na madrugada e só deram conta do ocorrido na manhã seguinte.
Se Lampião e Maria Bonita perderam a cabeça e viraram iguaria para alguém, nunca se soube. O casal foi procurado nas ruas do entorno, nos bairros próximos, na feira da Parangaba. Nada. Nem notícia. Para que alguém iria roubar um ganso? Ainda mais uma dupla que tanta alegria levava a quem passeava na região. Que maldade é essa do ser humano? Tá valendo tudo em troca de uns míseros reais?
O lado positivo da estória é que, mesmo sem a presença da dupla famosa, o projeto continua firme. O número de aves tem aumentado, a reprodução funcionado a todo vapor e o local anda mais visitado que nunca. Outros animais chegam e vão embora sozinhos, obedecendo a lei da natureza e retornando ao local que já foi deles um dia e nós, humanos, ocupamos sem a menor cerimônia.
E tomara que Lampião tenha atacado seu malfeitor e fugido com sua Maria…….
Paulo Rogério é jornalista (paulorogerio42@gmail.com)