Com o título “SABIÁ, um voo da alma brasileira! Um manifesto pela Soberania Digital”, eis artigo de Mauro Oliveira, eletrotécnico (IFCE), mestre em Engenharia Elétrica (PUC-Rio), PhD em Informática (Sorbonne University)e ex-secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações. “Trata-se de um convite à ousadia: o país precisa se reconhecer como protagonista na definição dos rumos da Inteligência Artificial, e não apenas como consumidor passivo de tecnologias criadas fora de suas fronteiras, nem um depósito de datacenters sem contrapartidas compensatórias”,expõe o articulista.
(a Luiz Fernando da PUC-Rio, o criador do Ginga)
Confira:
Em parceria com meu amigo e cúmplice em outros voos, Guido Lemos, lançamos o livro “SABIÁ – Soberania e Autonomia Brasileira em Inteligência Artificial” no dia 12 de novembro de 2025, sob o sol generoso de uma quarta-feira carioca, na sempre inspiradora PUC-Rio, onde tudo começou. O PDF estará disponível em maurooliveira.blog (e no Clube de Autores), para quem quiser ouvir esse canto de liberdade digital.
Este voo-manifesto foi objeto de uma palestra no 31º WebMedia – Simpósio Brasileiro de Sistemas Multimídia e Web, e se apresenta como um convite aberto a todos que acreditam que a soberania do Brasil pode, e deve, “cantar em código próprio”: com ciência feita aqui, tecnologia feita por nós, coragem para enfrentar o mundo e a alma brasileira pulsando em nosso futuro.
Mas afinal, o que é o SABIÁ?
O SABIÁ nasce como um chamado, uma resposta brasileira ao desequilíbrio tecnológico que concentra poder nas mãos das grandes corporações globais. Ele surge do incômodo e da esperança: o incômodo de ver nossos dados, talentos e energia alimentando impérios digitais alheios; e a esperança de construir uma inteligência verdadeiramente nossa, guiada por ciência, ética e soberania.
Essa proposta brota de um percurso já amadurecido — intelectual, político e também afetivo — condensado no livro “Soberania Digital, Colonização & Letramento” (PDF tb disponível no meu blog), que escancara as novas formas de colonização, agora travestidas de algoritmo, nuvem e promessa de eficiência.
“Soberania Digital” e “SABIÁ” afinam-se na mesma melodia: a urgência de reposicionar o Brasil: deixar de ser apenas consumidor de tecnologias alheias para assumir, enfim, o papel de autor e guardião da própria transformação digital. Porque, no século XXI, a soberania nacional não se exerce apenas com fronteiras no mapa, mas com códigos que nos pertencem, servidores que nos sustentam e uma consciência coletiva capaz de entender o valor estratégico da própria inteligência.
Como nasceu o SABIÁ?
A ideia começou a ganhar asas quando uma série de artigos sobre datacenters e soberania tecnológica provocou um certo debate na lista interna da Sociedade Brasileira de Computação (SBC).
A discussão que se seguiu revelou uma inquietação comum: o risco de o Brasil se transformar apenas em território hospedeiro das big techs, hoje com seus aplicativos universalizados, amanhã recebendo energia limpa, dados e silêncio — enquanto nosso país entrega, o controle sobre o próprio destino digital.
Essa conversa coletiva vem mobilizando a comunidade científica e reacendeu uma pergunta essencial: qual é, afinal, o papel da ciência brasileira diante dos desafios éticos, ambientais e geopolíticos que a Inteligência Artificial impõe ao país?
O Brasil precisa reagir, transformando princípios em ação.
O SABIÁ nasce, assim, como uma resposta prática e articulada: um esforço para dar concretude às diretrizes do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), cuja concepção foi meritória e visionária, mas cuja execução ainda carece dos recursos, da velocidade e da integração que o nosso tempo histórico exige.
É hora de embalar o PBIA nesse canto coletivo que reúne universidades, pesquisadores e sonhadores em torno de uma ideia simples e poderosa: a inteligência do Brasil deve servir ao Brasil… foi formada para isso!
Qual a proposta do SABIÁ?
É nesse cenário de urgência e oportunidade que o SABIÁ se ergue como uma ponte entre o pensamento crítico da academia e a ação coordenada das políticas públicas. Seu propósito é simples e ambicioso: garantir a presença massiva de cientistas, engenheiros e desenvolvedores capazes de colaborar, de forma contínua e estratégica, na construção de uma política efetiva de Inteligência Artificial para o Brasil.
E não precisamos partir do zero. A história recente já nos mostrou o caminho. Em 2003, o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) nasceu como uma ousadia técnica e política do primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva — uma aposta corajosa na capacidade do país de criar soluções próprias.
O SBTVD desafiou padrões hegemônicos e lobbies internacionais, unindo universidades, indústria e Estado em torno de um ideal comum: provar que o Brasil podia criar seu próprio padrão tecnológico… e criou.
Ao fazê-lo, o SBTVD libertou o país do pagamento de royalties, à época, e demonstrou, na prática, que quando ciência, indústria e Estado convergem, o que parecia impossível se transforma em projeto… e o projeto, em soberania. O Projeto TV 3.0 anunciado, recentemente, pelo Fórum SBTVD faz menção explícita da contribuição do middleware Ginga e de todo o esforço feito à época.
Hoje, o desafio é análogo e ainda mais profundo. O SABIÁ busca ajudar dessa mesma autonomia no campo da Inteligência Artificial. E faz isso enfrentando a lógica concentradora das plataformas globais, propondo uma estratégia integrada que combina infraestrutura computacional, desenvolvimento científico e tecnológico e uma governança aberta, participativa e ética.
O SABIÁ é, portanto, a continuidade natural de uma história de coragem nacional, uma história que já deu certo e que agora precisa ganhar novos voos.
SABIÁ pode ser um repeteco do SBTVD em IA?
Mais do que um repeteco, o SABIÁ é a evolução natural de uma história que o Brasil já escreveu com sucesso.
Sua legitimidade em apoiar o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) não nasce apenas da motivação cívica de seus proponentes, mas de uma trajetória concreta dos mesmos, uma prova clara de que é possível transformar propósito em política pública quando há visão de Estado e coragem de execução.
Foi assim em 2003, no Ministério das Comunicações, quando Augusto Gadelha e eu coordenamos o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), um marco de inovação soberana em ciência e tecnologia. Sob essa iniciativa, Luiz Fernando Gomes Soares e Guido Lemos criaram o Ginga, o primeiro middleware de TV digital reconhecido pela União Internacional de Telecomunicações (ITU-T Recommendation H.761, 2009) e desenvolvido fora do eixo Norte Global. Uma conquista técnica e simbólica que colocou o Brasil, com mérito e ousadia, no mapa da engenharia mundial. Vale lembrar o velho clichê “não vamos reinventar a roda”, repetido por alguns “brasileiros pouco comprometidos”, sempre prontos a defender a compra integral de um dos três padrões internacionais existentes, desdenhando da competência nacional e da importância dessa tal soberania.
O SABIÁ, portanto, nasce dessa herança. É o encontro entre o ideal programático do PBIA e a experiência metodológica de governança distribuída do SBTVD. Uma fusão entre estratégia e prática, capaz de transformar diretrizes em ações concretas de soberania digital.
Qual o Plano de Ação do SABIÁ?
O SABIÁ propõe um exemplo de um Plano de Ação inspirado na experiência vitoriosa do SBTVD: a criação de um consórcio plural e cooperativo, reunindo universidades, empresas, órgãos públicos, laboratórios e desenvolvedores independentes.
Um ecossistema capaz de pensar e executar, de forma coordenada, estratégias nacionais de Inteligência Artificial, alinhadas à realidade e às necessidades do Brasil, não às agendas das big techs.
Trata-se de um convite à ousadia: o país precisa se reconhecer como protagonista na definição dos rumos da Inteligência Artificial, e não apenas como consumidor passivo de tecnologias criadas fora de suas fronteiras, nem um depósito de datacenters sem contrapartidas compensatórias.
Essa ousadia exigirá o que o Brasil tem de melhor: competência científica, criatividade e engenho popular. Mas também pedirá algo mais raro: visão de futuro e coragem política para compreender que soberania digital não é um luxo tecnológico, é uma questão de sobrevivência nacional.
SABIÁ, nossa voz… sem pedir desculpas!
O SABIÁ não é apenas um projeto técnico: é um gesto de esperança e reconstrução nacional. Um chamado do país a seus cientistas, educadores, gestores e sonhadores para que o Brasil volte a acreditar na própria capacidade de criar, inovar e conduzir seu futuro.
Mas o futuro não espera. E, se quisermos participar da conversa global sobre Inteligência Artificial, uma conversa até agora conduzida pelas big techs, será preciso lucidez e grandeza política.
Que o Brasil compreenda, enfim, que sua inteligência é um patrimônio estratégico, não uma commodity a ser exportada em forma de dados, cérebros e energia barata.
No fundo, o que está em jogo é o direito de escrevermos nossa própria história com as próprias mãos e com nossos próprios algoritmos.
Porque quem cede sua inteligência, cedo ou tarde, perde também a própria voz.
SABIÁ é sobre isso:
ter o próprio código, o próprio pão, a própria voz…
sem tradução, sem permissão, sem pedir desculpas!
*Mauro Oliveira
Eletrotécnico (IFCE), tem mestrado em Enga Elétrica (PUC-Rio), PhD em Informática (Sorbonne University) e é ex-secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações.
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Aproveito para divulgar a palestra do dia 28/11/2025 na UECE.
https://www.uece.br/noticias/todas-as-noticias/uece-promove-palestra-sobre-datacenters-e-soberania-digital/
A Universidade Estadual do Ceará (Uece) convida a comunidade acadêmica para a palestra “Datacenters e a Soberania Digital: o político, o cientista e o jovem”, que será ministrada pelo professor Mauro Oliveira, no dia 28 de novembro, às 9h, no Auditório Paulo Petrola, no campus Itaperi. O evento é uma promoção da reitoria da Uece e faz parte das comemorações dos 50 anos.