“Não demorou para que outros jovens se fizessem seus companheiros e em número de onze se fizeram ao campo a semear o Evangelho e dar exemplo de amor a pessoas e animais”, aponta o jornalista e poeta Barros Alves.
Confira:
Hoje, 4 de outubro, os católicos comemoram o Dia de São Francisco de Assis, nascido João – Giovanni di Pietro di Bernardone, em Assis, Itália, em 1181 ou 1182. Morreu em 3 de outubro de 1226, com 42 anos. Jovem impetuoso, com maior tendência para o empreender do que para o estudar. Religioso como toda a família descobre diante de si uma Igreja engessada, burocratizada, cheia de mazelas morais e em vez de desandar, paradoxalmente, a situação o impulsiona para o sacerdócio. O pai, rico comerciante, não vê com bons olhos a escolha do jovem filho e o leva quase à força à presença do bispo, na tentativa de demovê-lo da ideia de ingressar na vida conventual. Na verdade, também não era isto que Francisco queria. Numa atitude radical, o jovem se desfaz de tudo que conduz; das vestimentas, inclusive. Protagoniza o primeiro protesto no caminho para resgatar a Igreja da situação de conluio com os poderes temporais. Queria uma Igreja desvinculada de compromissos com poderes terrenos. Homem sem estudo, sem conhecimentos, mas dotado de inteligência e, sobretudo, iluminado pela Transcendência, Francisco compreendia que o reino do Cristo não é deste mundo. Urgia resgatar na prática a mensagem do Salvador. Saiu para o mundo sem lenço e sem documento, com uma mão na frente e outra atrás, como dizemos os sertanejos. Não demorou para que outros jovens se fizessem seus companheiros e em número de onze se fizeram ao campo a semear o Evangelho e dar exemplo de amor a pessoas e animais, a toda criatura de Deus. Teve visões teofânicas. Elaborou uma regra para nortear o trabalho do grupo. A hierarquia da Igreja não via com bons olhos aqueles jovens sujos e maltrapilhos em permanente pregação itinerante. Francisco não desistiu, apesar dos muitos obstáculos iniciais. Tentou audiência com o Papa Inocêncio III. Os altos prelados do Vaticano apresentaram mil argumentos para convencê-lo a não perturbar o Santo Padre. Francisco e os amigos insistiram. Acamparam à porta de São Pedro e venceram a resistência dos auxiliares papais. Finalmente o Pontífice recebeu o grupo indigente. Certamente tocado pelo Espírito Santo o poderoso Inocêncio III aprovou o projeto evangelizador de Francisco e seus amigos malucos.
Começa aí uma das grandes mudanças no seio da Igreja Católica medieval, liderada por esses frades mendicantes, itinerantes, sob o comando de Francisco. Um movimento que mereceu uma percuciente análise do sociólogo e historiador francês Jacques Le Goff.
A propósito desse verdadeiro milagre, o padre e linguista Rômulo Cândido de Souza, faz um interessante comentário sobre a grandeza de homens iluminados por uma luz divina, como São Francisco de Assis: “O Papa Inocêncio III, contemporâneo de Francisco de Assis, fazia tremer todos os tronos da Europa. Pergunte, meu Quixote, para qualquer passante na rua, quem foi Inocêncio III e quem foi Francisco de Assis. Saberão responder quem foi Francisco de Assis, mas nunca ouviram falar do maior homem do século XIII. E será que sabem do seu paradeiro? Dante Alighieri sabia. O poeta viu o Papa no Inferno, completamente nu, apenas com a tiara na cabeça.” Olha só a irônica e cruel narrativa danteana. Quem ficara nu diante do bispo fora São Francisco.
Com efeito, o santo continua sendo alvo de narrativas fantasiosas nos dias atuais, mais do que antes. Usam o nome dele para chancelar modismos como o exagerado cuidado dos animais, o ambientalismo praticado por ecoterroristas, e outras politiquices, que bem rimam com canalhice. O São Francisco dos fradrecos e padrecos da Teologia da Libertação foi desvirtuado ao longo dos últimos anos. Ele nunca foi ambientalista, nem ecumênico, nem progressista, conforme o apresentam nos dias que correm. Providencialmente, é o que nos lembra o professor Lucas Lancaster, que complementa: “São Francisco nunca foi ativista ambiental, propagador do ecumenismo, muito menos militante tipo socialista ou fundador de Ong. Ele era um santo católico a pregar a religião de Cristo nos parâmetros do catolicismo praticado no seculo XIII.” De fato, é só ver o diálogo entre Francisco e o Sultão do Egito. Não foi um diálogo ecumênico, foi um chamamento à conversão daquele governante em guerra contra o cristianismo durante uma das Cruzadas. Houve até uma provocação para constatar qual é a verdadeira religião, pois o frade de Assis sugeriu que ele próprio e um sacerdote muçulmano entrassem numa fogueira para fazerem a prova do fogo. O Sultão não concordou. De igual modo, Francisco cuidava dos animais como criaturas de Deus; a eles destinava o mesmo sentimento de caridade que tinha com todas as criaturas do universo, sem qualquer acepção ou sentido preferencial, como a tal “opção preferencial” pelos pobres. Enfim, torceram tanto a biografia de Francisco, que ela chegou aos dias atuais totalmente desfocada, desvestida dos seus traços mais encantadores, os traços da santidade cristã.
Por final, neste dia em que mais uma vez dobramos o joelho e genuflexos rendemos nosso preito de admiração e louvor ao santo de Assis, também invocado pelos católicos brasileiros como São Francisco das Chagas de Canindé, dedico-lhe versos de inspiração franciscana. Ei-los:
FRANCISCO NORDESTINO
Francisco, caminheiro peregrino
Que carrega no peito mil paixões,
Paladino dos pobres. Nordestino
Que distribui amor pelos sertões.
Ouve os queixumes dessas multidões
De prófugos famintos sem destino…
No doce olhar profundas emoções,
Sentimentos de santo e de divino.
Andarilho de Deus, santo e poeta,
Lembra o Cristo, o maior dos galileus,
Um rebelde de Amor, alma inquieta…
Se fôssemos cristãos menos ateus
Cumpriríamos de Francisco a meta:
Amar ao outro como se ama a Deus!
Barros Alves é jornalista e poeta