“Saudação a novos membros da Academia Cearense de Retórica”

Barros Alves é jornalista e poeta

“Nos dias que correm, tão malsinados em face das narrativas falaciosas que permeiam as tribunas, os púlpitos, os meios de comunicação, as mídias sociais, estas cada vez mais asseguradas por instrumentos tecnológicos de elevada modernidade, o estudo da Retórica se faz necessário”, aponta o jornalista e poeta Barros Alves. Confira:

Deveras honrado com o convite que me foi formulado para proferir a saudação de praxe, segundo as normas regimentais, a dois novos membros deste sodalício, move-me inaudita satisfação. Intento, por agora, desempenhar a bom termo a tarefa para a qual fui designado, ainda que o peso não me seja leve, posto que outros confrades de maior conhecimento, engenho e arte sejam mais capazes do que eu para esse mister. No entanto, cumpro o desiderato, arrimado no afeto, na admiração e no respeito que tenho pelos dois ingressantes nesta ilustre confraria de amantes, pesquisadores e estudiosos da palavra escrita e falada. Eis-me a saudar com efusivas boas-vindas a novel confreira Rose Benevides, assim também o confrade Dr. João César.

Todavia, antes de ater-me aos encômios a que fazem jus os ilustres recipiendários, julgo oportuno breves palavras sobre a Arte Retórica. Nos dias que correm, tão malsinados em face das narrativas falaciosas que permeiam as tribunas, os púlpitos, os meios de comunicação, as mídias sociais, estas cada vez mais asseguradas por instrumentos tecnológicos de elevada modernidade, o estudo da Retórica se faz necessário, ainda que uma maioria ignara insista em colocá-la em plano inferior no contexto da epistemologia hodierna.

A primeira confusão que se faz é irmanar a oratória com a Retórica. Esta é o todo, aquela é a parte. A Oratória é a filha dileta da Retórica, que compreende outros vieses da comunicação humana. Incompreensível se observar que os meios acadêmicos se aliem ao vulgo, para até mesmo detratar a Arte Retórica como matéria de somenos importância em termos de conhecimento necessário, não apenas para profissionais que lidam com a escrita e a palavra, como professores e advogados, por exemplo, mas para todos quantos assumem posição de liderança na sociedade, sem olvidar a relação definitiva e direta que coloca a Retórica em aliança com os estudos lingüísticos.

O vulgo, por desconhecimento e ignorância, costuma imputar à Retórica os malabarismos vocabulares, os floreios próprios do palavrório farsante, o fraseado estéril que para dourar a mentira objetivam alcançar o sucesso do engodo e da enganação. Quanto a esse pensar tão infeliz quanto inválido, o vulgo está perdoado; no cenário acadêmico, porém, não há perdão para os que assim pensam.

A RETÓRICA, de fato, é aquela arte do bem dizer, falado ou escrito, digna do filósofo, conforme entende Platão no FEDRO, aquela arte que conquistaria, por suas razões, os próprios deuses, uma vez que condicionada pela VERDADE. Patenteia-se, então, ser o discurso da VERDADE que ilumina os caminhos do retor e que determina o ponto fulcral dos objetivos colimados. Portanto, o argumento para convencer o leitor ou o auditório, deve estar assentado na VERDADE. O mais são distorções conceituais sem fundamento que visam tão-somente o desmerecimento da Retórica, como igualmente, mutatis mutandis, alguns desinformados se comportam em relação à Poesia e aos poetas.

Porém, não devemos nos desvestir da assombrosa indagação: o que é a VERDADE. Não sei. A resposta, nem sempre inteiriça, é motivo para outras elucubrações que aqui não cabem. É ver lá com Santo Agostinho, com Santo Tomás de Aquino e outros sábios que dominam os mistérios do Entendimento.

Vale lembrar que Bossuet (Jacques-Bénigne Bossuet) renomado bispo, escritor, teólogo e pregador francês, no SERMON SUR LA PAROLE DE DIEU, quando desenvolve uma longa analogia entre o púlpito e o altar, chama a atenção para a seriedade do ato de falar ao povo, em especial em matéria tão respeitável como a pregação da Palavra de Deus. Ele conclui: “deveis agora estar convencidos de que os pregadores do Evangelho não sobem aos púlpitos para lhes fazerem discursos vãos que devam ouvir para divertir-se.”

O objetivo primordial do escritor e do orador, enfim, do retor, sob a ótica da Retórica, é manifestar seu pensamento de forma escorreita, em linguagem franca e que possa encantar para melhor convencer. Todavia, devemos levar em conta a observação pascaliana de que “todos os homens são quase sempre levados a crer não pela prova, mas pelo atrativo”. Pascal procura explicar esse fenômeno insistindo no fato de que as coisas são verdadeiras ou falsas conforme a face pela qual as olhamos. A vontade que se compraz numa mais do que noutra desvia o espírito de considerar as qualidades das que ele não gosta de ver; e assim o espírito, formando um todo com a vontade, detém-se para olhar a face do que gosta; e assim julga pelo que nela vê”.

De igual modo o sociólogo norte-americano Charles Bird, sentencia: “Receio que a análise dos coeficientes de correlação não deixe muito espaço para a imaginação, de tal forma que o DESEJO pode ter determinado a crença de que O DESEJO DETERMINA A CRENÇA.” De certa forma isto é perfeitamente válido quando se vê as relações com o olhar da Psicologia Social. Há constatações de fato, mas há negações que dão razão a Adolf Hitler, um dos maiores oradores que mundo já viu, e que afirma no seu livro “Mein Kampft” – MINHA LUTA -, que “a história da humanidade é escrita menos pelos grandes generais do que pelos grandes oradores”. Ele, um simples homem do povo, inicialmente sem qualquer expressão política, provou isto conseguindo assumir o poder pelos degraus da oratória, e, destarte, dominando altivos generais pela palavra convenceu-os a provocar uma guerra e o consequente holocausto de 50 milhões de pessoas, aí contados o assassinato de 6 milhões de judeus. O povo alemão, voluntários de Hitler como se intitula obra pertinente a essa tempestade de violência, seguiu a crença do orador demoníaco. Assim também, com pequenas diferenças de natureza ideológica, mas com o mesmo “modus faciendi” outros grandes oradores, também carniceiros, convenceram multidões a seguirem suas idéias esdrúxulas, tais os de Vladímir Ilitch Uliánov, dito Lênin, na Rússia; de Mao Tse Tung, na China; de Fidel Castro, em Cuba. Lembre-se que todos eles levavam suas VERDADES a um povo predisposto a uma crença, segundo a constatação pascaliana ou a compreensão determinista de Charles Bird.

Diante desses exemplos, é mister termos todo o cuidado com a retórica que nos ronda nos dias atuais, em especial aquela exposada pelos “salvadores da Pátria”, cujo exemplo de indignidade já conhecemos sobejamente. Que nossas crenças, no sentido em que Charles Bird coloca, não escureça a visão do nosso entendimento do Bem, do Bom e do Justo.

Cá entre nós, vejamos quem nos haverá de ajudar nessa caminhada de estudos retóricos para que não nos deixemos ludibriar pelo que lemos e ouvimos.

Apesar das distorções de gênero nos dias atuais, manda o bom cerimonial que o cavalheiro dê o lugar primeiro à dama.

Estamos, pois, diante de uma retora, digna do título, porque detentora de rigorosa formação acadêmica e, mercê de seus conhecimentos e desempenho profissional, se fez credora de invejável titulação. Rosimir Grangeiro Espíndola Benevides, nossa querida Rose, desde há muito uma rosa no jardim desta Academia, orvalhada pelo carinho de todos nós e, sobretudo, pelo amor imenso do poeta Maurício Benevides, o médico competente, o escritor habilidoso, o aplaudido retor que pontificou como presidente deste Silogeu durante cerca duas décadas. Na verdade, Rose, também ela há muito pontifica entre nós, sobretudo em razão da sua lhaneza, da sua simpatia, dos gestos de carinho e doçura para com todos, a exigir registro uma de suas virtudes notáveis, a simplicidade.

Não me posso deter na leitura do curriculum vitae da nossa recipiendária, em razão de sua extensão e riqueza. Professora, escritora, tradutora, cantora. Mas, ressalto a formação humanística, o pendor e compromisso com as artes, em especial a música a que se tem dedicado com sucesso, dando seguimento a um monumental trabalho que realizava ao lado do amado, Maurício. Formada em Letras, versada na Língua de Shakespeare e na Língua de Cervantes, exerceu o magistério superior na Universidade Estadual do Ceará e em instituições de educação e cultura em outras unidades da Federação, tais como Universidade Estadual do Paraná e Fundação Nacional de Artes, no Rio de Janeiro. Enquanto tradutora, emprestou suas competências e talento a instituições de renome em nosso Estado e além fronteiras. Suas experiências no exterior contam-se na condição de palestrante em Cursos de Língua Estrangeira a Distância, nas cidades de Lima, capital do Peru; Guayaquil, no Equador; Caracas, capital da Venezuela e Salt Lake City, no Estado norte-americano de Utah. Entre as muitas atividades como professora de Línguas, destaco sua atuação na Cottonwood High School, onde lecionou Língua Espanhola, cumprindo compromisso com o Programa Exchange Student/Teacher, da International Fellowship Incorporation. Enfim, esta é apenas uma pálida amostra do curriculum da confreira que recebemos oficialmente hoje como sócia efetiva da ACERE.

Não menos rico, a seu mister, é o curriculum do jaguaribano João César de Freitas Pinheiro, um cientista com larga experiência no campo de atuação que escolheu para servir à nossa Pátria. Geólogo formado pela Universidade de Campinas, mercê do estudo e da pesquisa, alcançou os mais elevados degraus na caminhada acadêmica e profissional. Philosophy Doctor, exerceu com proficiência o magistério e a defesa dos direitos de sua categoria profissional, tendo sido Presidente da Federação Brasileira de Geólogos. Na seara pública ocupou elevados cargos no governo de Minas Gerais, no Ceará e em federal, dando contribuição inestimável ao desenvolvimento de Programas Tecnológicos nas administrações para as quais trabalhou no afã de servir ao povo brasileiro e ao cearense, em particular. Apresenta substancial e consistente produção acadêmica, com relevantes trabalhos publicados em revistas e jornais especializados, com destaque para os livros “Companhia Vale do Rio Doce, o Engasgo dos Neoliberais” e “Confidências de um Militante Inconsciente”. Pertence aos quadros da Academia Cearense de Engenharia.

A Academia Cearense de Retórica recebe com um misto de alegria e orgulho dois retores militantes em áreas diferentes; um cartesiano militante das Ciências Exatas; outra, a cavalgar sonhos que expressa por intermédio da Poesia e da Música. Ambos, certamente, em profícua e dialética simbiose, muito têm para contribuir em favor da nossa querida Academia.

Barros Alves é jornalista e poeta

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