“Vertedouros servindo como espetáculo são na verdade provas de gigantescos erros de planejamento, que nos levam a queimar cada vez mais carvão, gás e petróleo”, aponta o engenheiro eletricista Ivo Pugnaloni. Confira:
No Brasil de hoje, por falta de planejamento, para podermos utilizar energia solar e eólica, estamos sendo obrigados a fazer as hidrelétricas jogarem fora preciosa água doce dos seus reservatórios de dia, para de noite ligarmos usinas termelétricas, movidas a carvão, gás e petróleo.
Isso se deve a não termos construído mais hidrelétricas e mais reservatórios para guardar toda essa água. Mas como isso ocorreu? Falta de recursos, ou falta de vontade de olho em outros interesses?
Para entender melhor o caso, basta dizer que a “termificação” ocorrida na matriz de energia elétrica brasileira é um caso único no mundo, pois essa fonte cresceu 400% em capacidade, entre 1995 e 2022. Na sua corrida para o sucesso, turbinado pelos governos federais a energia termelétrica perdeu apenas para os bitcoins, o tráfico de drogas e as empresas de tecnologia.
Se depender do Plano Decenal de Expansão de Energia esse valor astronômico chegará a 540%. Um verdadeiro “case” de sucesso em como iludir 215 milhões de pessoas, vários governos, partidos de situação e de oposição, usando artistas globais para gravar depoimentos e dinheiro de embaixadas de países que já usaram quase todo seu potencial hidrelétrico. Mas são contra a construção de hidrelétricas no Brasil.
E ainda por cima, aumentando 5,4 vezes a capacidade e as emissões dizendo que se estamos fazendo uma “transição energética”.
Uma transição estranha, que transita da água para o petróleo caro, importado e poluente, graças à falta de planejamento, uma utopia, pois quando o Estado diz que não planejará, quem planejará será a “Mão Invisível do Mercado”. Ou seja, as grandes famílias da política.
Se continuarmos a combinar mal as fontes permanentes e intermitentes, só para aumentar o lucro das distribuidoras e dos donos de centrais termoelétricas, a nossa indústria nunca mais será competitiva. Fotos de vertedouros jogando água fora hoje em dia podem ser sinal de mau planejamento no uso de energia renovável porque se não for água, de noite será petróleo e gás.
Nesse artigo, o leitor encontrará como esse assalto vem ocorrendo silenciosamente nos últimos quarenta anos sem que a sociedade fosse informada de coisa alguma, ou de muito pouco, num setor que é complicado de se entender.
O artigo conta alguns dos erros propositais que nos levaram a essa situação. Dentre os quais o maior de todos foi desumanizar e tentar intimidar povos indígenas que poderiam ser aliados históricos, na construção de hidrelétricas sustentáveis.
Mas que se tornaram adversários graças a estultices como a cometida pela EPE ao solicitar 200 homens fortemente armados da Força de Segurança Nacional para ameaçar as lideranças locais durante as “negociações” para fazer os levantamentos de campo.
Hidrelétricas ambientalmente sustentáveis seriam um exemplo que poderíamos ter dado ao mundo e não demos, como o leitor verá no “Documentário Haleti-Paresis” sobre pequena hidrelétrica SACRE II no Mato Grosso.
O leitor também poderá encontrar informações no relatório “Exemplos de Casos de Geração Hidrelétrica em Parceria com Povos Aborígenes” nos quais os povos indígenas não apenas participam da elaboração dos estudos e projetos, mas da sua receita. Eles tornaram-se sócios e depois proprietários de várias delas. Tudo sem perder seus costumes e fortalecendo a sua identidade, exatamente por subsistirem da natureza da qual as águas fazem parte, por possuírem vida digna, recursos próprios, sendo soberanos de suas riquezas. Se os responsáveis pelos inventários energéticos, tivessem respeitado como cidadãos brasileiros os direitos dos Mundurukus, obedecendo ao Decreto 5051/04, que obrigava ao cumprimento da Convenção 169 da OIT, os povos indígenas, não teriam reagido como reagiram.
Se o governo federal todo obedecesse ao Decreto acima, assinado pelo presidente da República, não teria havido aquela revolta, pois as medidas compensatórias deveriam prever não apenas a justa compensação indenizatória, mas de manutenção do modo de vida daquelas populações,
Pessoas em nome do governo, terminaram criando uma animosidade desnecessária, ajudando os interessados em impedir o desenvolvimento do Brasil a “demonizarem” as hidrelétricas, usando a tática de “desumanizar” os indígenas e ribeirinhos, de propósito.
Tudo isso aparentemente alinhado com o projeto de “termificação” de 400% que estava para acontecer.
Uma jogada de marketing reverso, na qual colocar a culpa nos indígenas era a fórmula perfeita para justificar que, tendo sido impedidos de construir 70 hidrelétricas de vários portes, seria preciso instalar mais e mais termoelétricas de propriedade de algumas famílias importantes.
Agora em diante, se a economia crescer como todos esperamos, a situação criada com essa ilusão de “fartura” de energia pode surpreender a todos com um novo tipo de “apagão”, em forma de preços absurdos, como na Alemanha, ou em falhas sistêmicas nacionais pela parada repentina de fontes eólicas.
Energia é indispensável para a vida humana. Não pode ser algo sujeito a chuvas e trovoadas. O número de hidrelétricas e a capacidade de reservação não podem deixar de crescer com a população e o consumo, tanto de água quanto de energia. Pois afinal a distribuição de água numa cidade é totalmente dependente de energia elétrica.
Por essa razão, energia elétrica não pode ser assunto discutido apenas entre burocratas, donos de distribuidoras e de termelétricas, mas na Primeira Conferência Nacional de Energia Elétrica, promovida pelo governo federal, como suas equivalentes para a Saúde, a Educação, o Meio Ambiente, sendo precedida por etapas municipais e estaduais
Apagões por falta de precaução das autoridades. Outra vez?
Vertedouros servindo como espetáculo cênico são na verdade provas de gigantescos erros de planejamento, que nos levam a queimar cada vez mais carvão, gás e petróleo, importados, para gerar com termelétricas à noite em vez usar água, pois vento e sol não podem ser armazenados.
“Tem energia sobrando” foi a mesma coisa que alegou FHC quando disse que não ia investir em geração hidrelétrica e mandou construir uma “nova Itaipu termelétrica” com 14 GW de energia 10 vezes mais cara, 60 vezes mais poluente e 100% importada.
Isso devido à teimosia do presidente que mandou às favas os avisos da indústria e da academia. E perdeu as eleições por causa disso.
E deu no que deu: em 2001 tivemos esvaziamento de reservatórios pela não construção de novas hidrelétricas para acumular mais água. Foi o maior apagão do mundo em tempo de paz; uma queda de 3% no PIB , servindo de justificativa e de horror para provocar o início do processo de termificação.
Resultado: as tarifas de energia para a indústria subiram 174% acima da inflação entre 1995 e 2022. No mesmo período, não por acaso, a potência instalada de termelétricas fósseis subiu gigantescos 400%. Estudo da CNI em 2022 mostra com detalhes. Nem a produção de cocaína deve ter crescido dessa forma meteórica no mundo. A competitividade da indústria nacional foi pelo ralo. De 21,7% do PIB em 1976 a participação da indústria no PIB caiu para menos de 9% em 2022. Seriam esses números mera coincidência? Ou decorrem do fato de que o custo do quilowatt-hora produzido por termelétricas é 10 vezes maior do que o produzidos por hidrelétricas? Se os equívocos cometidos confundiram até governos, imagine-se o efeito dessa avaliação sobre a população leiga que não sabe diferenciar fonte intermitente de fonte permanente e tende a acreditar em tudo que alivie seu medo?
Ninguém sabe qual tipo de energia as distribuidoras dizem que estão comprando nem quanto os consumidores vão pagar pelas compras que elas dizem que fazem. Nem sabemos a que horas elas funcionam e quando não funcionam.
Relatório do Banco BTG aponta que consultoras financeiras estão prevendo que economia vai crescer 3,1%. O desemprego caiu para 7,8%. A renda per capita média do brasileiro cresceu 16% em apenas um ano. E segundo a FEBRABAN a confiança do consumidor subiu. Estes são indicadores infalíveis de aumento do consumo de energia, fator que deveria nos fazer colocar as barbas de molho.
Precisamos de planejamento. E não de mais soluções eleitoreiras.
O ministro de Minas e Energia, um forte e provável candidato ao Senado por Minas Gerais, Alexandre Silveira, acaba de ter uma ideia pouco original no Brasil. E a concebeu, às vésperas das eleições desse ano, preparando a base para 2026.
Ele quer dar um descontinho na conta de luz dos brasileiros usando de forma antecipada o dinheiro da venda da ELETROBRÁS em vez de investir em algo permanente, que resolva o problema do custo da energia para sempre. Um paliativo. Mais um.
Será que vamos assistir repetir-se a fatídica MP 579/12, mas agora de forma ainda mais eleitoreira e muito mais ineficiente, passageira e apenas paliativa?
Será que agindo assim, aceitando essa esmola, coonestaremos, alegremente, a transação altamente suspeita, orquestrada pelos mesmos sócios das Lojas Americanas que respondem a 16 procedimentos por fraude aos acionistas e a uma CPI da Câmara dos Deputados? .Mas ainda mais grave, aceitando esse “descontinho” teríamos que desistir da ADI 7385/23 assinada pelo próprio presidente da República, questionando o fato da União Federal e fundos de pensão dos empregados não disporem de mais nenhum cargo no Conselho nem na Diretoria da empresa estatal da qual possuem 43% das ações, mas não mandam mais em nada. Um processo tão importante para o Brasil que o MDSN Movimento de Defesa da Soberania Nacional requereu sua participação da qualidade de “Amicus Curiae” ao STF. Além disso, já protestamos através da Nota de Repudio datada de 29.02.24 contra essa medida puramente eleitoreira.
Quem avisa amigo é.
Em vez de mais descontos “quebra-galho”, que não enxergam o futuro como ele é, seria muito importante que a ANEEL e o MME revisassem a metodologia erroneamente recomendada pela EPE para os leilões de 2008.
Afinal, em sua página 3 a Nota Técnica EPE-DEE-RE-099/08 confessa que em suas premissas de cálculo não foram consideradas as perdas nas interligações, o que equivale dizer que o MME contou com essa energia que não existiria pois sempre é gasta quando a corrente percorre as linhas de transmissão e distribuição. Para referência poderiam usar o Relatório Técnico 003/15 elaborado pela ABRAPCH com base em estudos da ENGENHO CONSULTORIA, da professora Leontina Pinto, do CEPEL e da UFRJ. Uma situação com a qual o Ministro Alexandre Siqueira deveria agora se preocupar, mandando revisar as Notas Técnicas EPE-DEE-RE-099/08 e EPE-DEE-RE-102/08, para tentar corrigir os seus efeitos. Bem como mandar revisar se estão sendo cumpridos os compromissos firmados entre o Ministério de Minas e Energia e o Tribunal de Contas de União quantos aos acórdãos 2.164/08; 1.196/10; 1.171/11 e 489/15, quanto à ilegal não utilização do potencial hidrelétrico do país redundando na termificação desnecessária do setor elétrico brasileiro.
Por que será que em vez de propagar informação tecnicamente equivocada de que “está sobrando energia”, o governo não estimula investidores, inclusive aqueles que já investiram em energia solar a instalar hidrelétricas de todos os portes?
Por que não fazer isso na mesma área de concessão da distribuidora, para atender esse enorme mercado que se abre, depois das 18 horas até às 8 da manhã?
Ou ainda, fazendo o caminho inverso, por que não estimularmos os donos de hidrelétricas de todos os tamanhos a instalarem usinas solares flutuantes sobre os reservatórios?
Há várias vantagens operacionais nessa coabitação, como a redução da temperatura e do efeito Joule, portanto nas perdas nas placas e nas conexões.
Em 09.01.09 o Ministro Lobão recebeu nossa correspondência acompanhada do trabalho “DE QUEM SERÁ A CULPA PELO ENORME CRESCIMENTO DA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA ATRAVÉS DE COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL?”, datado de 06.01.2009.
Mas pelo jeito, não deu a mínima atenção. E deu no que deu: atingimos 400% de termificação desde 1995 e chegamos a 174% de aumento da energia para a indústria, acima da inflação, no mesmo período!
Se nada disso acontecer, a impressão que se terá para a série de absurdos que acontece no setor elétrico brasileiro é que a culpada por todas essas trapalhadas muito convenientes para alguns poucos é mesmo a tal “Mão Invisível do Mercado”, que agora andaria plantando notícias na mídia quanto a existir essa tal “sobra” de energia.
O Estado não pode abdicar do direito e dever de exercer a função primordial de planejar o futuro com base no princípio constitucional da precaução e do bem comum. Ele não pode deixar que apenas um só ou dois setores do mercado (térmicas fósseis e distribuidoras) planejem por ele.
São muitas questões num setor com, devido à falta de transparência, o único contato do leitor pode ter sido até hoje apenas acionar o interruptor.
Tomara que esse artigo possa estar sendo a porta de entrada para mais gente entender melhor sobre o setor elétrico, que tanto tem a ver com a realidade dos preços dos alimentos, dos transportes, dos serviços e principalmente com o desenvolvimento econômico e social, com a geração de empregos industriais de boa qualidade.
Ivo Pugnaloni é engenheiro eletricista e de comunicações. Atuou no programa CLIC RURAL do governo do Paraná, financiado pelo Banco Mundial, trabalhando para rever padrões de projetos e reduzir custos das ligações para a população rural. É um dos coordenadores políticos do MDSN, Movimento em Defesa da Soberania Nacional