Com o título “Sexualidade adoecida”, eis artigo de Zenilce Bruno, psicóloga e sexóloga, que traz mais um interessante tema na área para o debate.
Confira:
Na clínica de terapia sexual, constantemente recebo pacientes angustiados com sua sexualidade. Algo de perigoso acontece quando elegemos e privilegiamos uma esfera da vida, mesmo que seja para destacá-la no existir. Pinçamos uma parte do conjunto e corremos o risco de deixá-la sem referência ao todo. Imagino as consequências que isto pode trazer às formas de ver, sentir e pensar as diversas dimensões do viver. Que aspectos da totalidade ficarão sacrificados nesse olhar micro lançado sobre a questão? Particularizando, interrogo-me se o destaque concedido, hoje em dia, à sexualidade, de uma forma descontextualizada, não a coloca ansiosamente em foco, a ponto de adoentalizá-la, ao invés de libertá-la?
Parto desta inquietação para considerar a importância de que a sexualidade seja pensada e inserida no viver em totalidade, isto é, que ela seja situada como um aspecto entre outros do existir humano. Magnificá-la para além de sua dimensão, fazer dela o todo, condição única da felicidade, é irreal e pode gerar efeito contrário. Transformá-la num monstro que nos possui vai torná-la mais sufocante que libertadora. Fazer de sua vivência, em moldes pré-estabelecidos, condições de normalidade, pode tirar-lhe a espontaneidade e o bem que ela representa na vida. Por isso a deseleição do sexo-rei, parece-me mais libertadora. Assim, o indivíduo não terá de ser atleta sexual para conformar-se a padrões estereotipados e consumistas que são impostos.
O todo tem uma dimensão integradora, porque é na organização das partes que se dá a harmonia, que caracteriza a ordem. Compreender uma disfunção sexual supõe inseri-la no conjunto da existência da pessoa. Não podemos tratá-la, reduzindo-a a uma partícula. Não podemos pensar como algo que está errado apenas com os órgãos sexuais, procede muitas vezes do caminho que vai sendo traçado pelo indivíduo em sua história, em sua estruturação da pessoa que é. Nessa trajetória quase sempre, ele sacrifica aspectos de si mesmo, emoções, valores, atitudes, em atendimento a exigências educacionais, culturais e outras que impedem a sua inteireza. A saúde requer um estado de equilíbrio entre forças ambientais, modos de vida e os vários componentes da natureza humana, já pensava Hipócrates.
Entendo que as disfunções sexuais podem expressar uma desarmonia que atinge o todo da pessoa, e não apenas o funcionamento da genitália. Quase sempre elas procedem dessa totalidade humana prejudicada, porque a sexualidade reúne tanto as dimensões de necessidades básicas como as de motivações de crescimento. A grandeza do sexo está nesta vivência, em meio aos projetos de felicidade humana, em parceria amorosa e não apenas com fins procriativos ou numa busca mecânica de um prazer simplista. O homem não se reduz às suas necessidades e, no terreno da sexualidade, ele supera a ordem estabelecida pelo orgânico. Ele inventa, cria a cada instante seu modo de ser prazeroso, seu gosto e expressão sexual.
*Zenilce Bruno
Psicóloga e sexóloga.