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Só um lugar pode conter o ímpeto do imbrochável arrependido

Moisés Mendes é jornalista e escritor

Os perguntadores podem continuar perguntando: por que Bolsonaro ainda ataca publicamente Alexandre de Moraes, para chamá-lo de mentiroso, como fez essa semana em entrevista à Rádio Gaúcha de Porto Alegre?

Bolsonaro ataca Moraes ao vivo, aos brados, porque está solto. Se estivesse preso, poderia até dizer a algum interlocutor que o visitasse na cadeia que o ministro mente.

Mas ninguém além do entorno fascista ficaria sabendo. Como está em liberdade e circula por toda parte com desenvoltura, Bolsonaro ataca Moraes com a naturalidade dos impunes que precisam transmitir a sensação de que controlam pelo menos o futuro de curto prazo.

Outros da turma dele continuam atacando Moraes e o sistema de Justiça, e nem vale a pena dizer aqui os nomes dos agressores, alguns foragidos nos Estados Unidos.

Atacam porque se sentem fora do alcance da Justiça. Alguns estão certos de que o tempo passou e de que não serão enquadrados, ou se forem escaparão mais adiante.

Já pegaram os manés, os terroristas amadores e até os financiadores de vans, lanches e banheiros químicos dos acampamentos e do 8 de janeiro. Mas ainda não chegaram a ninguém da turma da linha intermediária para cima.

Estão soltos e impunes os grandes financiadores do golpe, incluindo empresários milionários, entre os quais renomados sonegadores e lavadores de dinheiro, os militares e os filhos de Bolsonaro.

Estão livres e soltos os 79 citados no relatório da CPI da pandemia, com pedidos de indiciamento encaminhado há mais de dois anos ao Ministério Público.

Estão livres os listados pela CPI do Golpe. Estão soltos e faceiros os grandes transportadores e varejistas que bloquearam estradas para tentar impedir a posse de Lula.

Não foram alcançados até agora os planejadores e financiadores dos atentados a 16 linhas de transmissão de energia, com o objetivo de criar o caos para o golpe – ou alguém acredita que aquilo foi coisa de manés avulsos?

Bolsonaro ataca Moraes porque precisa manter a base mobilizada. É o jeito de dizer que não teme o ministro, não tem medo de todo o Supremo e se adonou da certeza de que irá escapar.

Por isso, Bolsonaro disse na entrevista à Rádio Gaúcha que não afirmou, no palanque do 7 de Setembro do ano passado, ao lado do véio da Havan e de Michelle, que era imbrochável.

O sujeito contestou a autoria da afirmação pública sobre sua condição de macho que não falha e aproveitou para atribuí-la a Moraes.

Esse é o trecho em que respondeu ao repórter Paulo Germano, ao ser questionado sobre a tentativa de fazer um coro com o público, repetindo aos gritos a palavra imbrochável naquele 7 de Setembro:

“Em primeiro lugar, quem falou imbrochável. É mentira, eu não falei em lugar nenhum isso. Se tem, por favor, bote no ar. Mentira do presidente do TSE. Mentiroso, parcial, defendeu o PT o tempo todo por ocasião das eleições. Então, é mentira essa questão de imbrochável”.

Moraes seria o responsável, segundo Bolsonaro, pela ‘mentira’ de que ele é imbrochável? E aí, se faz o quê? O que fazer se 30% dos brasileiros podem fingir acreditar que Moraes foi quem atribuiu ao sujeito a condição de infalível?

O que fazer para que os outros 70% mantenham pelo menos a suspeita de que um dia Bolsonaro será contido, não só como inelegível, mas como criminoso comum e golpista?

Vão continuar entrevistando o imbrochável arrependido, porque ele está disponível e ainda fala pela extrema direita. E esse é o dilema dos que acham que um dia poderão pegá-lo.

A força política de Bolsonaro é uma incógnita que talvez só venha a ser parcialmente desfeita nas eleições municipais do ano que vem. Que influência ele terá na reacomodação do poder municipal, das capitais às pequenas cidades?

Até lá, o cenário pode ficar imutável. Bolsonaro, segundo Bolsonaro, não disse que é imbrochável, não tentou dar o golpe, não mandou fraudar o cartão de vacina, não ficou com as joias das arábias, não deu ordens para que vendessem as joias, não negou vacina à população, não mandou exterminar com os yanomamis, não chefiou o gabinete do ódio.

É o que está valendo, enquanto o sistema de Justiça decide se não é bem assim. Por isso, por continuar solto e impune, o sujeito ataca Alexandre de Moraes, mais de um ano depois de perder a eleição para Lula.

O brasileiro democrata, que ainda confia nas instituições e continua esperando sem resignação, não pode ser levado a desistir de ver Bolsonaro na cadeia.

Moisés Mendes é jornalista e escritor

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