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“Sob o domínio do mal”

Waler Pinto Filho, promotor de justiça do Ceará. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “Sob o domínio do mal”, eis artigo de Waler Pinto Filho, promotor de justiça. “Sei que a violência está em todos os lugares e que toda comparação é odiosa, mas existem lugares onde a sensação de segurança é percebida, aqui mesmo no Brasil. Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina têm índices muito abaixo da média nacional”,expõe oaticulista.

Confira:

Foi publicada matéria informando que os homicídios no Brasil tiveram redução em torno de 4% no ano de 2023. Da série histórica, desde 2003, os anos mais violentos ficaram registrados entre 2014 e 2017. Em 20 anos, ultrapassamos a marca de um milhão de homicídios, sendo esta nefasta liderança mundial duradoura até agora. Tudo sob olhares de autoridades em suas fracassadas tentativas de enfretamento ao terror diário que nos assola.

Os primeiros números do ano 2024, começaram a mostrar que as bravatas de sempre não será o caminho para a tão sonhada segurança – o sangue vai continuar jorrando; o fogo impiedoso dos celerados não tem limites.

O Ceará, em alguns estudos publicados recentemente, oscila entre os cinco estados mais violentos do país. Foi palco este ano de cenas sangrentas. Na cidade de Caucaia, no dia 17 de fevereiro, ocorreu uma chacina de uma covardia extrema, quando quatro mulheres foram brutalmente assassinadas.

Fois neste violento município, no ano passado, que ocorreu o mais doloroso crime já perpetrado pelas facções assassinas. Elas impõem aos moradores a submissão total e o terror da matança. Relembro a execução pelo Tribunal da Morte dos jovens irmãos Davi e Daniel Carneiro, eliminados a sangue frio porque atravessaram ruas públicas a caminho da casa da avó. Estas vias estão sob dominio dos desalmados criminosos. É uma prova inatacável da ausência do Estado.

Dói muito ler isto: “Tiraram tudo o que eu tinha de mais valioso na vida”, relata o pai, que não é identificado por questões de segurança. “Eu pedi a Justiça da terra e a de Deus. Eu perdoo as pessoas que fizeram isso com eles”. (Matéria no portal O Povo. 13/07/2023). Um homem cuja alma é grande. Entendo que crimes revestidos desta crueldade não merecem o perdão. O único lugar dos algozes é a cadeia; infelizmente, não podemos puni-los com a morte executado pelo sistema legal – aqui não existe pena capital.

Durante 27 anos atuando como Promotor de Justiça, eu não vi mudanças capazes de endurecer o combate contra a delinquência generalizada. Impunidade e violência andam juntas nesta árdua jornada de enfretamento ao crime.

Roubos de celulares são práticas comuns nas grandes cidades, sendo São Paulo capital, uma verdadeira via-crucis para usuários caminharem nas ruas – 103.493 (2021) registros de roubos a celulares. Sabemos que muitas vítimas não prestam queixa, bloqueiam o aparelho e ficam no prejuízo.

Sei que a violência está em todos os lugares e que toda comparação é odiosa, mas existem lugares onde a sensação de segurança é percebida, aqui mesmo no Brasil. Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina têm índices muito abaixo da média nacional.

Apenas para ilustrar a narrativa, na Itália foram assassinadas 304 pessoas no ano de 2021, enquanto no Brasil, no mesmo ano, foram registradas 47.847 mortes violentas. A realidade é bem diferente das propagandas oficiais e discursos demagógicos em solenidades e posses, eu não consigo digerir tanta desfaçatez. A sociedade parece inerte, sinto um desânimo diário – algo perigoso que pode nos sitiar ainda mais. É hora de reagir, ainda que tarde…

*Walter Pinto Filho

Promotor de Justiça e autor dos livros “O Caso Cesare Battisti – A Palavra da Corte” e “A Lâmina que Corta”.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

Ver comentários (10)

  • O autor trouxe uma perspectiva única, combinando experiência prática com análise profunda. Retratou muito bem o sentimento que pessoas de bem têm em relação às políticas públicas deficitárias na abordagem da segurança pública.

    • Caro Samuel - os bons precisam estar juntos. Combater o crime é uma luta permanente. Abraços

  • Rico escrito do dileto amigo Walter Filho. O artigo trás dados concretos e retrata bem a triste realidade que vivemos. Parabéns!

    • Abraços caro Gabriel. Uma luta diária contra o mal que nos assola . Há perigo na esquina - já falava o eterno Belchior na canção Coração Selvagem.

  • Parabéns ao Blog e ao jornalista Eliomar por dar ênfase a um artigo que se encaixa tão bem ao cenário atual. Parabéns ao escritor Dr Walter.

  • Excelente artigo! O autor,
    Dr. Walter Filho, sempre preciso na análise. Enquanto houver impunidade, a violência persistirá.

  • Magnifico artigo, Dr. Walter Filho. A sua análise foi muito clara e concisa. "Não há ordem sem justiça". Albert Camus

  • Cumprimento o caro amigo, Dr. Walter Pinto Filho pelo lúcido e assertivo artigo, corroborando com tudo do que foi dito, acrescentando apenas que, o pior de tudo, além do medo e da ameaça que nos rodeiam dia a dia, é saber que, para as autoridades, somos apenas números. Números que são efusivamente festejados, esquecendo-se da dor dos que choram pelas vidas que se foram. Por exemplo, no ano de 2022 houve 47.508 assassinatos no Brasil, 923 a menos do que 2021. No ritmo de 2022, em relação a 2021, celebrado como o ano da eficiência de redução da criminalidade, se tomarmos como base o número reduzido em questão (923), e fizermos uma operação matemática simples, chegaríamos à conclusão de que levaríamos mais de meio século para erradicarmos os crimes violentos no Brasil.
    Lamentavelmente, estamos a perder as esperanças.

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