Com o título “Sociedade x Governo”, eis artigo de Djalma Pinto, jurista, ex-procurador-geral do Estado e escritor. “Os países que não educam suas crianças para respeitarem os bens do Estado não prosperam”, expõe o articulista
Confira:
Uma sociedade sem governo assemelha-se a uma tribo em que prevalece a selvageria. Nesta, uns matam ou oprimem os derrotados nos intermináveis conflitos tribais. Isso explica como os traficantes de escravos, em pequenos números, conseguiam, na África dos séculos passados, ter acesso aos negros muito mais numerosos. Simplesmente, compravam, para serem escravizados em outros países, aqueles que eram aprisionados pelos grupos rivais nos seus lugares de origem. O Estado surgiu, fundamentalmente, para manter a ordem e para dirimir os conflitos, entre os habitantes de seu território, com base nas normas elaboradas para preservação da harmonia social.
Como uma grande empresa, também necessita de um comando a ser exercido por pessoas qualificadas para o exercício das funções essenciais.
Nos países mais evoluídos, seus dirigentes são escolhidos pelo povo, após conquistarem os cidadãos a supremacia da soberania popular. A grande questão, a ser estudada em todas as universidades contemporâneas, é esta: por que povos, que escolhem seus governantes vivem em prosperidade e outros, que utilizam o mesmo processo eletivo para investir seus dirigentes no poder, são pobres, vivendo grande parte de sua população em permanente situação de miserabilidade?
Uma pista relevante a ser seguida reside na persistente falta de qualificação para o exercício do poder político, que deveria ser oferecida no âmbito da educação para a cidadania.
As escolas do Brasil, como regra, não abordam essa disciplina. Como fazê-lo, num ambiente contaminado pela ideologia, em que os erros são privativos dos adversários e os delitos dos amigos chegam a ser exaltados de forma espantosa?
Uma saída seria, já no ensino fundamental, além da propagação dos valores da empatia e da solidariedade, trabalhar a conscientização da importância do respeito ao dinheiro da população como garantia de uma boa gestão da Administração pública e da admiração de todos os cidadãos ao longo da vida.
Sedimentado, no espírito de cada criança, o apreço pelos bens do Estado, ao se tornarem governantes terão persistente vergonha em fraudarem licitações ou desviarem verbas de emendas parlamentares, de pontes, de passagens molhadas, de estradas etc.
Portanto, a história, nesse particular, não admite controvérsia. Os países que não educam suas crianças para respeitarem os bens do Estado não prosperam. Seus líderes cultivam por isso a corrupção em escala crescente. O agravamento da situação torna mais apavorante a conjuntura em face da ausência de punição exemplar aos predadores da coisa pública.
Assaltam, impiedosamente, os valores pagos pelos contribuintes. Compram votos com o dinheiro roubado, sem constrangimento algum para a investidura na representação popular.
Nesse cenário de indigência cívica é previsível o florescimento do crime organizado e o agravamento das mazelas sociais decorrentes da falta de decência daqueles que, historicamente, são investidos na governança do Estado.
Educação para a investidura no poder e punição exemplar aos predadores do dinheiro da população são, na verdade, as providências inadiáveis
para reverter o ambiente gerador de injustificada pobreza.
*Djalma Pinto,
Jurista e autor de diversos livros, entre os quais, “Distorções do Poder” e “Ética na Política”.