Com o título “Soldadinho do araripe não foi extinto, graças à Floresta Nacional do Araripe”, eis artigo de Flamínio Araripe, jornalista e pesquisador. Ele aborda espécie que sobreviveu, apesar de certos avanços do homem sobre a natureza da região.
Confira:
A Floresta Nacional do Araripe (Flona) foi criada pelo decreto 9.226 de 2 de maio de 1946, por proposição do deputado federal Antônio Alencar Araripe, sócio fundador do Instituto Cultural do Cariri (ICC). O biólogo Weber Andrade de Girão e Silva, um dos coordenadores da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), que trabalha com conservação, membro do Conselho Consultivo da Flona, diz que a primeira floresta nacional do país, apesar de ter tido problemas para se efetivar desde o ato de criação, e de incêndios, tem tido muitos benefícios.
“Se a Flona não tivesse sido criada – um ato pioneiro no país, uma decisão da sociedade, inclusive por membros do ICC -, a ciência não teria tempo de descobrir o Soldadinho do araripe
(Antilophia bokermanni). Ele teria sido extinto antes”, afirma Weber Girão. O biólogo estava na aula de campo em dezembro de 1996 – há 28 anos – quando foi descoberto o pássaro Soldadinho do araripe, espécie endêmica no sopé da Chapada do Araripe na região do Crato, Barbalha e Missão Velha, em áreas com água corrente de fontes perenes.
O pássaro também é chamado de “levadeiro” (denominação do responsável por cuidar das levadas, córregos de águas das nascentes naturais do sopé da serra do Araripe) ou “língua de tamanduá”, lembra Weber Girão. Os estudos sobre a ave revelaram a situação da da Chapada e de outros organismos da biodiversidade local. Em quase três décadas, segundo ele, o material genético levantado no ao longo de todo sopé da Chapada acumulou representatividade amostral tão grande e permitiu concluir, como inferência da pesquisa, que houve uma trágica redução populacional do pássaro, símbolo da biodiversidade no sopé da Chapada.
Extinção em algumas áreas
Weber Girão atribui a redução da ocorrência do pássaro em parte à expansão do ciclo da cana de açúcar no Cariri, nas terras mais baixas. Em 1976 foi implantada uma usina de açúcar em Barbalha. As pessoas lembram que a temperatura nas ruas do Crato já foi fria, mas hoje predomina o calor com as transformações do clima do Vale do Cariri, relata.
No período de 28 anos da pesquisa foi observada a extinção do pássaro nas faixas do sopé de serra, nas matas dosmunicípios de Missão Velha (distrito de Jamacaru), onde Weber diz ter alcançado a presença, e em Porteiras e Jardim. No trecho existem os componentes do habitat – água, tipo de vegetação e outros indicadores – mas não tem o pássaro. A Flona e o sopé da Chapada do Araripe constituem “nosso último escudo de sobrevivência nessa região”, alerta Weber Girão. O sistema florestal está associado a um sistema hidrogeológico que ele vê como um diferencial no coração do semiárido. Para manter esta área que atravessou tantos períodos históricos, o biólogo defende a necessidade de gestão do aquífero, dentro de uma estratégia, de administrar um planejamento de futuro imediato.
”Essa floresta deve ser entendida pela sociedade. Quando se vê as imagens de satélite com essa mancha verde, isso é o resultado de muito trabalho para mantê-la”, afirma. Outros gestos devem se seguir na defesa do patrimônio para as futuras gerações, propõe Weber Girão. Como exemplo de ações, cita a constituição da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Araçá, de José Renato Leite, de 19,71 hectares, criada no Crato há 10 anos e a RPPN Oásis Araripe, de 50 hectares, no Crato, da Aquasis. Tudo isso, segundo ele, não cobre 3% da população global do Soldadinho do araripe, ave exclusiva do Ceará. “Podemos proteger mais encostas”, conclama.
Símbolo da conservação
O biólogo conduziu projetos que culminaram, em 2006, na publicação do Plano de Conservação do Soldadinho-do-araripe. Coautor do estudo “Soldadinho do araripe, símbolo da conservação das águas e florestas úmidas do Cariri cearense”, com Karina Vieiralves Linhares, Weber Girão diz que o pássaro, descoberto há 28 anos, é objeto do primeiro projeto de estudo de conservação, com componente ligado a genética e parentesco. Girão e Karina Linhares informam que em 2012, “foi publicado o decreto de criação da Área de Proteção Ambiental Chapada do Araripe, Unidade de Conservação de uso sustentável, cujo primeiro objetivo é proteger espécies ameaçadas. A legislação abrange quase a totalidade da área de ocorrência do Soldadinho-do-araripe, restrito aos municípios cearenses de Crato, Barbalha e Missão Velha”. Segundo eles, em 1998, foi criado em Barbalha o Parque Ecológico Municipal Riacho do Meio, aonde sua presença foi divulgada oito anos depois e, em 1999, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Arajara Park na nascente do Farias (local da descoberta da ave).
Refúgio da Vida Silvestre
A prefeitura do Crato, conforme o secretário de Meio Ambiente, George Borges, vai criar uma área de conservação do tipo Refúgio da Vida Silvestre (Revis) com 68 hectares. O município, segundo ele, já conseguiu a imissão de posse da área, doada na gestão do ex-prefeito Raimundo Bezerra. “Esta área não pode ser entregue à especulação imobiliária” – afirma -, ”e vai voltar ao patrimônio da Prefeitura”.
Está em cogitação uma parceria com a Aquasis para gestão da área, por estar encostada à zona de maior ocorrência do Soldadinho do araripe. A iniciativa visa diminuir o impacto do avanço urbano sobre o habitat do pássaro.
*Flamínio Araripe
Jornalista e pesquisador.