Com o título “Somos deliberadamente latinos ou nos fazemos passar como tal?”, eias artigo de Paulo Elpídio de Menezes Neto, cientista político e ex-reitor da Univesidade Federal do Ceará.
“Ter uma outra língua, é possuir uma segunda alma”, Carlos Magno
Confira:
Somadas as línguas de origem latina em uso, dentre as chamadas “línguas modernas”, ocupamos um lugar representativo dentre as nações que falam espanhol, português, francês, italiano, idiomas derivados ou dialetos secundários — cerca de 420 milhões de pessoas.
Estamos, entretanto. como marco estatístico, distantes dos registros dos que falam inglês e mandarim.
Por falarmos a mesma língua, por nos expressarmos com o mesmo instrumento de comunicação vocal e escrita em vários continentes e países. o português ganhou importância cultural e comercial no mundo. Não por termos atingido o mesmo peso civilizacional do grupo de países europeus de expressão latina, pela nossa cultura, pelo nosso patrimônio de saberes e habilidades e pela história que registram os nossos feitos.
O poder político dos países europeus, desenvolveu-se e firmou-se, desde a Antiguidade Clássica, até os nossos dias, como destino de uma longa travessia, da Idade Média, do Renascimento, até a Idade Moderna e contemporânea.
O “mundo latino” surgiu de um processo civilizatório contínuo, de guerras e conquistas, e expandiu-se no mundo conhecido dos europeus. As grandes navegações e as descobertas de nova rotas de marítimas ampliaram o território do Velho Mundo, com as suas projeções colonizadoras de Portugal, Espanha, Inglaterra e França, a partir da ocupação dos territórios ao sul do Rio Grande.
Neste vasto sub-continente haveria de concentrar-se o maior reduto populacional de expressão portuguesa e espanhola e, em menor escala, francesa. Os ingleses instalaram-se nos extensos domínios que viriam ser a América do Norte e o Canadá. Esta, porém, é outra história, outra narrativa, animada por outros atores e por outros propósitos igualmente inconfessáveis…
Com a autonomia das colônias portuguesas e espanholas na América do Sul, surgiram, até o século XIX, vencido o capítulo sombrio da escravidão, os Estados nacionais, em território do Novo Mundo, obra dos colonizadores portugueses e espanhóis – e da Igreja penitente, disposta a trabalhar pela salvação das almas postas em risco pela cupidez dos homens.
Etnicamente, em constituição de múltiplas raizes, formaram-se os “filhos da terra”, fruto de uma amálgama de populações autóctones e dos europeus desembarcados com os seus cavalos e as suas confissões de fé.
A América do Sul é o espaço territorial no qual fica mais visível a expansão, na idade Moderna, da herança latina.
De início, impuseram-se os poderes monárquicos de matriz europeia. A religião ocupou, pelas obras de apropriação de almas da catequese, a sujeição de negros e índios. Os que chegavam eram pedradores, extratores a serviço da Coroa a que serviam como funcionários ou arrendatários. Erguiam ocupações nômadas, para agricultura e criação de subsistência, salvo onde a atividade mineradora se fixara sob controle do fisco e do Estado em entrepostos promissores.
O poder decorria da ocupação territorial e do aparato militar da conquista.
Foi preciso que dois séculos transcorressem, marcados pelas lutas da Conquista, para que este pedaço do mundo, chamado América, se tornasse na pia batismal da história, “Latina”.
Os capítulos seguintes seriam escritos pela formação política dessas “possessões” concedidas pelo papa aos seus filhos amantíssimos da península Ibérica. O Tratado de Tordesilhas, com os ajustes propostos à encíclica “Inter Coetera”, do papa Alexandre VI, dividia o mundo entre Portugal e Espanha. Fernando e Isabel e dom João II, foram apontados como os “herdeiros de Adão”, donos do mundo descoberto e por descobrir.
Não havendo mais o que descobrir, resta, contudo, o que disputar e dividir.
Com um mundo tomado, sem escritura, por combinação, indenização ou assalto, como se as terras ignotas devessem ser reclamadas, já pouco importam as armas e as razões diplomáticas.
Contam, agora, os poderes da persuasão ideológica, das metáforas e da dialética impositiva.
Dividimo-nos entre duas idades.
A mais antiga, remanescente das guerras a pé ou em montarias de lombo. a Faixa de Gaza e a Ucrânia. A morte a qualquer preço.
A mais nova, a da persuasão pelo convencimento e pelo medo. O apresamento da consciência e da honra, a afirmação da “auctoritas” sobre o livre arbítrio humano.
Os mísseis ou as taxas e sobretaxas. A verdade ou a mentira. A inverdade ou a desinformação.
*Paulo Elpídio de Menezes Neto
Cientista politico e ex-reitor da Universidade Federal do Ceará.