“Te dou uma crônica” – Por Mirelle Costa

“Troquei o relógio da moda pelo analógico que desenterrei. Baixa manutenção, igual as amizades que gostamos de ter agora (já reparou?)”, aponta a jornalista e escritora Mirelle Costa

Confira:

Ganhei um relógio conectado ao celular. Daqueles que monitoram o sono (até aí tudo bem), o peso (aí eu já não sei se gostei) e o pior: o bicho não dorme direito se eu não colocar pra carregar todos os dias.

Hoje tudo o que me exige uma responsabilidade a mais, por menor que seja, já me desanima e eu sou extremamente responsável, aí é que está. Ultimamente, eu sempre tenho que… muitas coisas. Ontem mesmo tava lembrando que tenho que colocar as cortinas pra lavar, colocar todas as roupas no Vanish porque roupa branca é linda e ordinária ao mesmo tempo. Tenho que ser filha de uma mãe vegetativa, então meu tempo é o que eu mais posso compartilhar com ela nessa situação. Tenho de continuar sendo uma boa profissional. Tenho que escrever meu novo livro e voltar pra academia, então não quero me sentir culpada quando não conseguir colocar o relógio na tomada para carregar, antes de dormirmos (eu e o relógio).

Pode parecer uma besteira, mas, pra mim, não, é. Dá uma ligeira sensação de um pequeno fracasso eu ter ido dormir (cansadíssima) sem ter colocado o abençoado relógio para carregar. Troquei o relógio da moda pelo analógico que desenterrei. Baixa manutenção, igual as amizades que gostamos de ter agora (já reparou?). No mínimo oito meses pra trocar a bateria novamente, diz a garantia.

– Por favor não pife, por Deus, tenha coragem. Cumpra o que me promete agora (disse eu, em um juramento quase silencioso) diante do rapaz que trocou a bateria. Seja absurdamente funcional, porque eu aqui estou tentando ser também. Já vi que temos algo em comum (pensei).

– Tava estourada aqui dentro, viu, moça! Quase que a Senhora perde ele.

– Vixe!

Já vi que ele não é tão legal como pensei, mas, entendi, até porque sou também. Por mais que eu demore a pedir arrego, tem uma hora que a bateria pode estourar e é em silêncio, mesmo, sem alarde.

Sigo lutando para funcionar a cada segundo sem parar, mas também sei que, assim como o meu relógio dourado que finge ser de ouro, mas passa é longe, eu também finjo. Às vezes, finjo que dou conta de tudo, finjo que esqueci a roupa dentro da máquina (mas eu tava mesmo era com preguiça de tirar) finjo não perceber que a morte da minha mãe me sonda todos os dias (e eu fico com muito medo).

E enquanto eu finjo que não canso, você finge que não vai arriar nunca, relógio?!

Quando um amigo chega ao topo

Sabe aquela sensação de se sentir representada por um amigo que conquistou um feito? Eu conheci o escritor Denilson Vieira na Bienal Internacional do Livro do Ceará. Lembro-me como se fosse ontem. Os livros dele simplesmente acabaram no nosso stand. Quem quisesse um único exemplar, teria de dar meia volta e esperar a próxima reimpressão. Sucesso que chama, né? Eu dava muita risada porque reconheço minha extrema dificuldade em vender minha obra, aliás, em oferecer minha obra. Enxergar meu livro como um produto que precisa (e deve) ser comercializado ainda é um desafio. Conversar com pessoas que eu nunca vi na vida a fim de convencê-las a ler minha obra e ainda pagar por isso, é difícil pra mim, acredita? Mas pra ele, não. Denilson escreve sobre espiritualidade e também deveria escrever sobre como vender todos os livros na Bienal (risos).

Meses depois, Deni (pros amigos), articulou uma feira literária na praça de alimentação do Shopping Eusébio com roda de conversa e lançamento de livros. Foi um sucesso!

Agora, recebi com muita alegria a notícia que assumiu como conselheiro no Conselho Municipal de Política Cultural do Eusébio, representando a cadeira da Literatura. Parabéns, Denilson! Desejo que nós, escritores independentes, conquistemos cada vez mais espaços. A literatura agradece!

Escritor Denilson Vieira na Flie
Mirelle Costa: Mirelle Costa e Silva é jornalista, mestre em gestão de negócios e escritora. Atualmente é estrategista na área de comunicação e marketing. Possui experiência como professora na área de jornalismo para tevê e mídias eletrônicas. Já foi apresentadora, produtora, editora e repórter de tevê, além de colunista em jornal impresso. Possui premiações em comunicação, como o Prêmio Gandhi de Comunicação (2021) e Prêmio CBIC de Comunicação (2014). Autora do livro de crônicas Não Preciso ser Fake, lançado na biblioteca pública do Ceará, em 2022. Participou como expositora da Bienal Internacional do Livro no Ceará, em 2022.

Ver comentários (4)

  • Mirele, sua lembrança me fez sorrir! 😂 O que aconteceu na Bienal e em cada feira mostra que juntos somos mais fortes. A literatura independente cresce no coletivo, e cada passo é de todos nós. Bora seguir escrevendo essa história lado a lado!

  • Eh menina, deu vontade de dar um abraço, tantas mesmas (in) coerências.
    Não é nada para parecer, de verdade. Só que eu cansei, muito, me priorizo, por esses dias.
    Fico felicíssima com sucesso desses que convivemos, Vera, Liduina, Denilson. Muita luta e luz nesses caminhos.

  • Denilson Vieira, a feira literária do Eusébio foi a primeira de muitas que virão. Foi um privilégio participar de um encontro literário tão significativo na vida do escritor. Parabéns pelo seu trabalho!

  • Ótima crônica! Relógio, eu desaprendi a usar. Engraçado que antes não vivia sem. A gente vai seguindo, tentando manter a bateria funcionando... Amei!

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