Gosto de assistir às partidas de futebol porque as entendo como metáforas da vida, onde os personagens e os lances estão sujeitos às agruras e circunstâncias do momento do jogo, muitos deles, definidores do resultado ao final dos 90 minutos. Assim, me deleito com as análises dos especialistas durante e após as disputas, como se fosse possível racionalizar o que acontece dentro de campo, seja falando do que se passa na cabeça do treinador, do erro de arbitragem, do gol perdido ou da defesa milagrosa do goleiro.
Deleito-me, porque, da mesma forma que esses leitores das partidas, e aqui incluo também os torcedores, se revelam infalíveis, estão sujeitos aos desmentidos em átimos de segundo, pois excluem o aspecto fundamental, que é o “Sobrenatural de Almeida”, personagem criado por Nélson Rodrigues para explicar tudo de ruim que acontecesse contra o Fluminense, seu time do coração. Esse fantasma podia fazer o juiz errar, dar um jeito de algum jogador pisar em falso na hora de marcar o gol, enfim…
Sem querer, Nélson Rodrigues popularizou seu “Sobrenatural de Almeida” de tal forma, que ganhou asas e hoje já não atua mais só contra o Fluminense. Joga contra tudo e contra todos e isso pode acontecer na mesma partida. Mas aceitar isso seria catastrófico, porque, como na vida, precisamos sempre de um culpado para usar como alvo de nossas derrotas.
No último sábado, tivemos mais um clássico épico entre Ceará x Fortaleza, com o Vovô sagrando-se o maior campeão cearense até agora e, como de praxe, o nosso Sobrenatural se fez presente em grande estilo.
Se fez presente com erros de arbitragem, com a expulsão totalmente surreal de um jogador tricolor, com um gol que nem os torcedores do Fortaleza esperavam, e na cabeçada sensacional de Pedro Raul garantindo o empate. Bastaria um desses detalhes ser alterado para mudar tudo. Daqui alguns dias, esses detalhes nem serão mais lembrados e novas partidas produzirão outras análises e a vida continuará, como sempre foi e continuará sendo, com humores se alterando entre as torcidas e nos elencos.
O futebol é bom por isso e nada é mais verdadeiro do que os 90 minutos de uma partida, seja na alegria de uns ou na tristeza de outros. A diferença talvez, caiba em Tolstói, quando em Anna Karênina, disse de forma definitiva: “todas as famílias felizes se parecem umas com as outras; cada família infeliz está infeliz à sua maneira”.
*Luiz Henrique Campos
Jornalista titular da “Coluna Fora das 4 Linhas”.