“Se o racismo realmente fosse crime no Brasil, Ana Paula Minerato já teria sido eleita a musa das presidiárias”, aponta o jornalista e músico Ricardo Nêggo Tom
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“Oi, gente! Eu quero muito falar com vocês. Eu tô muito mal! Eu sei que eu fiz algo horrível. Quero até pedir desculpas pra todo mundo que se sentiu ofendido.” Foi com essas frases que a ex- apresentadora da Band e ex-musa da Gaviões da Fiel, Ana Paula Minerato, iniciou o vídeo onde pretendia pedir desculpas sobre o crime de racismo cometido por ela contra a cantora Ananda, vocalista da banda Melanina Carioca, a qual ela se referiu como “neguinha do cabelo duro” e a associou ao estereótipo de uma empregada doméstica, devido a sua provável raiz africana. O clássico “tem um pé na senzala” que a branquitude costuma utilizar para desqualificar a existência e questionar a validação de pessoas de pele clara, mas de origem preta.
Todos nós, pretos e pretas, poderíamos simplesmente responder a ex-panicat com o refrão da música “Quero que tu vá”, que foi hit no verão de 2018 na voz da excelente cantora que é Ananda. Mas racismo não se responde com tanta simplicidade e reducionismo. Embora, mandar um racista ir tomar no monossílabo sem acento seja, do ponto de vista sociocultural, um ato libertário e empoderador. O áudio vazado que expõe o racismo de Ana Paula, não deveria ser encarado com espanto por uma sociedade histórica e essencialmente alicerçada sobre a racialização de pessoas como estrutura de poder e dominação. Infelizmente, muitos outros brancos quando estão na intimidade de suas alcovas, expressam a mesma avaliação sobre os pretos. Postura herdada de seus antepassados escravocratas, numa época em que o racismo não era crime e ainda oferecia diversão aos racistas. O racismo recreativo explica.
Voltando ao pedido de desculpas de Ana Paula, quem assistiu ao vídeo com mais atenção percebe que, na verdade, o pedido de desculpas é feito a ela mesmo, e a sua burrice por ter se deixado descobrir racista. Chega a ser infame. Tanto que ela fala muito mais do relacionamento tóxico que estaria vivenciando, e que motivou a sua fala abjeta e criminosa. Minerato tenta conquistar a empatia do público, sobretudo, das mulheres, chamando a atenção para o seu sofrimento como mulher vítima de um relacionamento abusivo. Aliás, foi o suposto abusador psicológico de Ana Paula quem teria vazado o áudio racista da mula, digo, musa da Gaviões. O que, para qualquer pessoa que saiba interpretar um texto, soa como uma tentativa de culpar o rapaz pelo crime que ela cometeu, imputando a ele a condição de homem abusador, para lhe tirar a confiabilidade do gesto de expor o crime racial da beldade.
Ana Paula, assim como todo racista, sabe que brancos, principalmente, mulheres brancas, possuem o estereótipo de pessoas mais sensíveis e indefesas, cuja palavra é mais crível quando em oposição a de uma pessoa preta. E mais ainda, se for em oposição a um homem preto. Evocamos alguns casos onde homens pretos, muitos deles jovens e adolescentes, foram condenados à morte nos EUA sob a acusação de terem estuprado mulheres brancas. O caso de Central Park, em 1989, quando 5 jovens negros foram presos e condenados por agredir e estuprar uma mulher branca, talvez seja o mais recente, mas não o menos cruel. Não subestimem o poder de uma mulher branca, loira e racista chorando, pedindo desculpas e acusando um homem de ter provocado o seu cancelamento. É bem provável que estejamos diante da nova garota propaganda da Havan, ou de uma nova aposta bolsonarista ao Senado em 2026.
Precisamos falar também sobre o recalque de Miss Minerato com relação a cantora Ananda, e a sua tentativa de desqualificar quem ela não considera padrão na sociedade racista que os seus antepassados instituíram. Ananda é uma artista facilmente reconhecida pelo seu trabalho como cantora. Basta que ela solte uma nota para quem não faça “ouvido de mercador” perceber que ali tem alguém que domina a sua arte. E Ana Paula? O Google a apresenta como “personalidade da TV”, algo bastante vago, não é verdade? Em outra pesquisa ela aparece como “modelo de glamour”, integrante do programa “Pânico” e irmã de Tati Minerato, que eu também não sei quem é. Elas também não devem saber quem eu sou, e que se dane. O fato é que por se sentir “curricularmente” inexistente frente a Ananda, Ana Paula recorre aos valores escravocratas da nossa sociedade para tentar prevalecer. Imagina, ela, branca, loira e “miss glamour” (sic), sendo preterida por uma “mulata” que tem o pé na senzala. Aliás, mesmo não gostando de usar beleza como fator comparativo entre pessoas, devo dizer que Ananda, na minha humilde opinião, é muito, mas muito mais bonita do que a musa do racismo brasileiro.
Antes de fechar a tampa do caixão, lembro que o “defunto” era musa de uma das escolas de samba mais comprometidas com questões raciais e sociais no Brasil. Chega a ser inacreditável que Ana Paula tenha passado anos de sua vida convivendo com dezenas de “neguinhas do cabelo duro” e outras pessoas com origens africanas, tendo que disfarçar o seu racismo e o seu conceito eugênico e nazista de pureza da raça. É sempre bom lembrar que a maioria das musas e rainhas de agremiações carnavalescas, pagam para serem alçadas ao posto. Essa é a explicação para que a Gaviões da Fiel tivesse uma racista como musa da escola. E não duvidem, Minerato não é a única mulher branca no ambiente carnavalesco a pensar dessa forma. Quem se lembra da fala da advogada Gabriela Priolli após ser convidada para ser musa do camarote da Brahma na Sapucaí?
A destruidora de Caio Coppola nos debates na CNN disse: “Vou desfilar cheia de brilho e com meus looks de carnaval sabendo que meu diploma de Mestrado pela USP continua válido e que meu livro segue na lista dos mais vendidos.” Ou seja, mesmo estando no meio das “neguinhas de cabelo duro” e num ambiente considerado por ela inferior intelectualmente, ela não deixaria de ser uma acadêmica branca. Como se não existissem mulheres pretas acadêmicas no mundo do samba. Como já dizia aquela marchinha carnavalesca: “mas como a cor não pega, mulata”, deixa eu me divertir um pouco no meio dessa gente exótica. Mas tenho que ser protagonista. Como a branquitude sempre deve ser. Se o racismo realmente fosse crime no Brasil, Ana Paula Minerato já teria sido eleita a musa das presidiárias.
Ricardo Nêggo Tom é músico, graduando em Jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas “Um Tom de resistência”, “30 Minutos” e “22 Horas”, na TV 247, e colunista do Brasil 247