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“Trabalho terceirizado e temporário: entre a lei e a realidade, competência e justiça” – Por Valdélio Muniz

Com o título “Trabalho terceirizado e temporário: entre a lei e a realidade, competência e justiça”, eis artigo de Valdélio Muniz, jornalista, mestre em Direito Privado, analista judiciário e membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC). “(…) cada vez mais vem sendo dificultada a responsabilização judicial (ainda que subsidiária, isto é, em segundo plano) de tomadores de serviço por obrigações trabalhistas descumpridas pela real empregadora, que é a empresa prestadora (com a exigência do preenchimento de condições formais como a comprovação, pelo próprio trabalhador, de eventuais irregularidades e da ausência de fiscalização pelo tomador)”, expõe o articulista.

Confira:

Um dos temas ainda pouco entendido por cidadãos leigos diz respeito à aplicação (ou não) de certos direitos a diferentes grupos de trabalhadores e à competência das instituições que integram o sistema de Justiça para agirem em sua defesa. De fato, é estranho que, por exemplo, trabalhadores que prestam serviços à administração pública mediante empresa de terceirização tenham direito à anotação em carteira de trabalho, férias acrescidas do terço constitucional, 13º salário, horas extras, FGTS etc, enquanto outros admitidos pelo órgão público diretamente por meio de contratos ditos “temporários” sejam, por vezes, limitados ao recebimento do mero salário mensal (e, quando acionam a Justiça, agregam, no máximo, o direito a FGTS). E caso tenham direitos negados, terceirizados podem recorrer à Justiça do Trabalho, mas os “temporários” da gestão pública, em regra, devem procurar a Justiça comum. Isso decorre tanto da própria legislação quanto do modo como o Poder Judiciário a tem interpretado.

O terceirizado é, a rigor, empregado formal de uma empresa privada e, assim, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A diferença é que, em vez de atuar apenas para aquela que o contratou (como a maioria dos trabalhadores da iniciativa privada), presta seus serviços por meio dela (por isso chamada de “prestadora”) a um terceiro (denominado “tomador de serviço”, que pode ser ente público ou mesmo outra empresa particular).

A terceirização tem sido historicamente adotada como modelo de administração e economia que pretendia, inicialmente, liberar o tomador dos serviços para focar energia na realização de sua tarefa principal (atividade-fim) e delegar a terceiro o cumprimento de rotinas secundárias como asseio, conservação e vigilância dos seus estabelecimentos ou o transporte dos seus produtos. Atualmente, porém, até mesmo a atividade-fim, por permissão legal e aceitação dos tribunais, pode ser terceirizada. E, o pior: cada vez mais vem sendo dificultada a responsabilização judicial (ainda que subsidiária, isto é, em segundo plano) de tomadores de serviço por obrigações trabalhistas descumpridas pela real empregadora, que é a empresa prestadora (com a exigência do preenchimento de condições formais como a comprovação, pelo próprio trabalhador, de eventuais irregularidades e da ausência de fiscalização pelo tomador).

Já os trabalhadores temporários são de dois tipos: há aqueles contratados por empresas especializadas na prestação de serviços desta natureza, regidos pela Lei nº 6.019/1974 (atualizada pelo Decreto nº 10.854/2021) e que, na prática, atuam também como terceirizados em
favor de outras empresas que necessitam de sua mão de obra temporariamente (para substituição de trabalhadores afastados por licenças ou para atendimento de demandas em períodos específicos do ano); e há aqueles admitidos pela administração pública como exceção à exigência do artigo 37 (inciso IX), da Constituição Federal (submissão a concurso público para contratação de servidores efetivos), “para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público”, como em casos de urgência e calamidade pública.

Ocorre que os “temporários” da administração pública, sobretudo em grande parte dos Municípios, têm se tornado regra, em vez de exceção, chegando até mesmo, em alguns casos, a superar o número de contratados efetivos (concursados) e de terceirizados. Isso fere tanto o princípio da legalidade (pois, inverte a lógica trazida pela Constituição de 1988 de ter o concurso público como padrão democrático de acesso) quanto os princípios da moralidade (honestidade) e da impessoalidade (ao permitir que a escolha do contratado volte a depender do crivo da pessoa do gestor público, hipótese que termina sempre levando em conta critérios que não deveriam prevalecer como o alinhamento político-ideológico do trabalhador à figura do detentor momentâneo do poder local).

E, mais do que isso, esses “temporários” ocupam postos de trabalho que a rigor nada têm de “temporários” ou emergenciais e, mesmo desprotegidos em termos de direitos e de representação sindical, se eternizam por sucessivas renovações de contrato que também
descaracterizam a natureza temporária e excepcional reservada pela Constituição, suprindo deficiências do quadro de pessoal (efetivo/permanente) inclusive de Comarcas (Poder Judiciário), Defensorias Públicas e Promotorias de Justiça (igualmente carentes de pessoal), instituições às quais estes trabalhadores são “gentilmente cedidos” por Prefeituras (às custas, óbvio, da sociedade contribuinte local) em pseudoacordos, parcerias ou colaborações interpoderes (ou interinstitucionais) que mais refletem subserviência ou temor (de um lado) e dependência (de outro).

Quando os temporários legais, contratados por empresas privadas para prestação de serviços a terceiros, assim como os próprios trabalhadores terceirizados da administração pública, sofrem lesão ou ameaça de lesão a direitos, eles podem levar suas demandas (pessoalmente ou representados por advogados) à Justiça do Trabalho. Contudo, os trabalhadores “temporários” (fraudulentamente) da administração pública, por entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 573.202/AM e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.395/DF, devem procurar a Justiça comum estadual (se tiverem prestado serviço a Municípios e estados) ou Federal (se prestaram serviços à União) e não a Justiça do Trabalho.

Isso ocorre porque a interpretação conferida pelo STF foi de que a contratação temporária, mesmo sem concurso (ou processo seletivo simplificado), é regida por normas jurídicas (estatutos criados por leis municipais, estaduais ou federais) de Direito Administrativo (comum) e não de Direito Trabalho (especial), o que atrai, portanto, a competência material da Justiça comum para analisar tais casos. Entenda-se por competência não a ideia de capacidade, comumente atribuída numa interpretação literal (semântica) da palavra, mas a atribuição (delegação) de função definida na própria legislação para efeito de organização do Poder Judiciário (que, embora seja um só, é estruturado em diferentes segmentos ou ramos, conforme a matéria, ou seja, o assunto a ser tratado, como direito civil, penal, trabalhista, eleitoral, militar etc).

*Valldélio Muniz

Jornalista,

mestre em Direito Privado, analista judiciário e membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC).

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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