“Levada às últimas consequências, a guerra comercial e monetária pode acarretar a guerra propriamente dita”, aponta o jornalista José Reinaldo Carvalho, editor internacional do Brasil247
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A declaração do presidente eleito dos Estados Unidos neste sábado (30), exigindo que os países membros do Brics renunciem à criação de uma moeda conjunta ou deixem de tomar outras iniciativas em busca de alternativas ao dólar, é uma demonstração desesperada para impor pela força o princípio imperialista “A América em primeiro lugar”. Ameaçar um grupo de nações soberanas com tarifas comerciais de 100% é não apenas um ataque à autonomia desses países na condução de suas políticas econômicas, mas também uma ameaça que redundará em instabilidade, caos econômico e agravamento das tensões geopolíticas, que podem redundar em conflitos de outra natureza.
Ao afirmar que “qualquer país que tentar substituir o dólar deve dizer adeus aos Estados Unidos”, Trump tenta impor a primazia dos interesses dos EUA com métodos coercitivos, uma postura reveladora não só do desespero dos Estados Unidos diante da inevitável perda da supremacia do dólar, mas também uma falta de compromisso com os princípios básicos de cooperação internacional.
O Brics, hoje ampliado, tem amadurecido discussões e tomado decisões no sentido de criar mecanismos que os livrem gradual e persistentemente da dependência do dólar, algo que se afigura essencial para pavimentar o caminho de desenvolvimento econômico autônomo. É precisamente essa autonomia que Trump tenta tolher. A exigência para que o bloco abandone a ideia de criar uma moeda própria ou apoiar alternativas ao dólar desrespeita o direito desses países de decidirem seus rumos econômicos. Trata-se de uma clara tentativa de impedir que os países do Brics trilhem caminhos próprios no rumo da consecução de projetos de desenvolvimento nacional, para o que é indispensável criar novos mecanismos de cooperação internacional independentes dos controles exclusivistas dos Estados Unidos.
Trump está afiando as armas para uma guerra comercial contra vários alvos: a China em primeiro lugar, a Rússia, até mesmo seus parceiros bloco comercial (México e Canadá) e agora o Brics como um todo. Aguarda-se o que dirá sobre a União Europeia e a América Latina, para completar o quadro e aquilatar em que grau se elevará o risco de uma guerra comercial generalizada. Essa escalada, levada ao extremo, pode evoluir para conflitos armados, como a história já demonstrou.
A guerra comercial afetará cadeias de suprimento, aumentará os custos de produção e colocará em risco a segurança alimentar e energética global.
No âmbito do Brics, é plausível e justificável a busca de formas elevadas de cooperação, incluindo as iniciativas para criar meios de pagamento alternativos, e transacionar em moedas nacionais, fortalecendo a integração econômica do bloco. Esses meios alternativos podem e devem evoluir para a criação de uma moeda comum que venha a substituir o dólar nas transações intrabloco.
A movimentação no sentido dos meios de pagamento alternativos e da moeda comum do Brics corresponde a uma tendência objetiva e às aspirações pela independência dos países do Sul Global.
São visíveis os sinais do fim da hegemonia do dólar na economia mundial e da construção gradual de uma nova ordem monetária, econômica e política, uma nova arquitetura financeira, livre das imposições neocolonialistas e hegemônicas dos EUA. A ordem que emergiu no pós-guerra está em franco processo de caducidade e desmoronamento.
Esta tendência objetiva à desdolarização vem se acelerando por razões geradas pelos próprios Estados Unidos.
O recurso arbitrário das sanções financeiras provoca generalizada insegurança e temor dos países um dia se verem privados de liquidar compromissos em dólares.
Compõem o quadro que conduz objetivamente à busca de alternativas ao dólar os fatores internos da própria economia americana. A dívida pública dos Estados Unidos está em torno de 35 trilhões de dólares, aproximadamente 124,7% do PIB em 2024, e tem tendência de crescimento. É um problema estrutural que mina a credibilidade do país e tem implicações para a hegemonia do dólar. O crescente endividamento, aliado a disputas internas como as que se repetem anualmente sobre o teto da dívida, reduz a confiança global na solvência dos EUA. Isso estimula movimentos de desdolarização.
A retórica imperialista de Trump choca-se com a realidade objetiva, mas não deve ser subestimada. A disposição que o futuro ocupante da Casa Branca demonstra para lutar contra tudo e todos a fim de assegurar a primazia dos interesses imperialistas dos Estados Unidos é uma ameaça a ser levada em conta.
Por isso, não pode passar sem uma resposta contundente dos países ameaçados, inclusive o Brasil. O direito à soberania e ao desenvolvimento é inalienável, e qualquer tentativa de subjugar nações em nome de interesses unilaterais deve ser amplamente condenada e combatida.
José Reinaldo Carvalho é jornalista e editor internacional do Brasil 247 e da página Resistência (http://www.resistencia.cc)