“Vamos lembrar que vivemos em um mundo distópico, mas também complexo e multipolar”, aponta o jornalista Bepe Damasco
Confira:
Longe de querer subestimar a ameaça para a humanidade que representa a ascensão de Trump à presidência da nação mais poderosa do planeta, penso ser importante levantar algumas questões políticas, comerciais, ambientais e civilizatórias que podem atrapalhar seus planos de transformar os Estados Unidos no terror absoluto de todos os povos.
De cara, Trump disse a que veio em termos de seu compromisso de degradar a esfera pública, escalando para seu primeiro escalão uma espécie de seleção do que há de pior nos EUA. Os mais obscurantistas entre os obscurantistas. os mais reacionários entre os reacionários e os mais negacionistas entre os negacionistas estarão na linha de frente do governo.
Os decretos assinados pelo fascista-mor ainda no dia da posse revelam a nítida intenção de sinalizar que suas promessas de campanha serão levadas a sério.
O meu ponto, no entanto, é falar de política, dos obstáculos a serem enfrentados por Trump para fazer valer integralmente seu programa das trevas. Vamos lembrar que vivemos em um mundo distópico, mas também complexo e multipolar.
“Há crianças gays, lésbicas e transgêneros em famílias democratas, republicanas e independentes, algumas que temem por suas vidas (…) Peço que tenha misericórdia senhor presidente daqueles filhos que em nossas comunidades temem que seus pais sejam levados embora.”
Feito cara a cara com Trump, esse apelo de Mariann Edgard Budde, bispa de Washington, é só uma pequena amostra da resistência que certamente brotará na sociedade americana. Primeiro de forma isolada e pontual. Depois não se sabe.
Logo virá à tona o descompasso, o choque entre o modo de vida de um grande contingente de habitantes dos EUA e do planeta Terra e os projetos medievais de Trump.
Com as emissões desenfreadas de CO2, o aquecimento global chega a níveis alarmantes, o que provoca o crescimento da consciência ambiental entre as pessoas. Mas Trump retira os EUA do Acordo de Paris.
Vários países europeus importantes discutem uma saída racional e humana para a questão dos imigrantes. Mas Trump decreta a deportação em massa.
Os EUA foram o país que mais perdeu vidas humanas para pandemia do Covid-19, muito em razão do negacionismo de Trump em seu primeiro mandato. Mas ele abandona a Organização Mundial da Saúde.
Todos os 8 bilhões de habitantes do mundo têm parentes, amigos, colegas de trabalho ou vizinhos que não são heterossexuais. Mas Trump põe fim às políticas de diversidade e decreta que a sociedade norte-americana só reconhece os gêneros homem e mulher.
Empresas americanas fazem negócio em praticamente todos os países e têm, portanto, interesses econômicos cristalizados mundo afora. Mas Trump promete impor pesadas tarifas à entrada de produtos nos EUA.
Qualquer governante preza suas relações com países aliados. Mas Trump gratuitamente resolve atacá-los com sua retórica expansionista delirante, mesmo antes da posse.
Vale destacar que no primeiro mandato Trump ficou distante de concretizar inúmeras pontos de seu programa.
Se é verdade que hoje ele está mais forte, pois venceu no voto popular, fez maioria na Câmara e no Senado e controla a Suprema Corte, também é inegável que hoje a China ameaça fortemente a liderança econômica e tecnológica dos EUA, possui uma diplomacia atuante e competente e aumenta sua influência em países dos cinco continentes.
E ainda tem o Brics que controla 37% do PIB mundial e avança para desdolarizar suas transações comerciais.
Como se vê, muita água ainda vai passar por debaixo da ponte.
Bepe Damasco é jornalista e editor do Blog do Bepe