“O fechamento do X daria argumento aos que alegam que a liberdade de expressão está sendo atacada e os interesses de Musk são econômicos – não ideológicos”, aponta o jornalista Leonardo Attuch. Confira:
O bilionário Elon Musk, dono de empresas como X (ex-Twitter), Tesla e SpaceX, está em guerra declarada contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Segundo ele próprio tem postado em sua rede social, o Brasil estaria sendo alvo de censura e, em razão disso, o X não irá obedecer determinações judiciais porque seus supostos princípios, como a liberdade de expressão, estariam acima de seus interesses econômicos. Musk estaria disposto até a colocar em risco a sua operação no Brasil para defender a liberdade do povo brasileiro.
Bom, para acreditar nessa baboseira, é preciso ser otário ou mal-intencionado. Quando Evo Morales foi vítima de um golpe de estado na Bolívia, Musk surgiu na rede para dizer que daria quantos golpes fossem necessários. Quando eclodiu a pandemia da covid-19, ele foi o primeiro a sugerir tratamentos à base de cloroquina. Recentemente, Musk teve também papel decisivo na eleição do extremista Javier Milei na Argentina, país que tem algumas das maiores reservas mundiais de lítio, insumo fundamental para as baterias dos carros elétricos. E Musk é ainda um apoiador direto de Donald Trump, que promete uma guerra comercial contra a China, país que ele já reconheceu ser incapaz de enfrentar – em janeiro deste ano, o dono do X sugeriu barreiras comerciais contra os carros chineses.
Musk, portanto, usa a bandeira da “liberdade de expressão” como escudo para seus interesses econômicos, que são gigantescos. No Brasil, na corrida pelos carros elétricos, ele está muito atrasado. Enquanto os chineses da BYD compraram a antiga fábrica da Ford na Bahia, a empresa chinesa State Grid promete investir R$ 200 bilhões no Brasil em linhas de transmissão e novos projetos de energia limpa. O Brasil tem tudo para ser líder na descarbonização da frota de veículos e na transição energética, sem que a Tesla tenha participação relevante neste processo.
É uma situação bem diferente da que ele vislumbrava quando Jair Bolsonaro, integrante da mesma Internacional Fascista da qual Musk faz parte, era presidente da República. Em 2022, Musk veio ao Brasil, foi bajulado, ganhou o acesso ao mapa mineral da Amazônia, em troca da promessa de instalar internet na região, e recebeu até a promessa de poder utilizar a base de Alcântara, no Maranhão. Bolsonaro se comportou quase como um funcionário de Musk durante aquela viagem.
Com a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, a mamata prometida a Musk pelo governo brasileiro se transformou em miragem. E é exatamente por isso que, neste momento, ele deflagra uma guerra contra o Poder Judiciário e as instituições nacionais. Não apenas porque seus interesses estão ameaçados, mas também porque o Brasil poderá ser um laboratório para a regulação das grandes plataformas digitais, as chamadas big techs. Ao divulgar o “Arquivo X” relacionado ao Brasil, Musk acusou empresas como Google e Meta, que têm adotado uma postura mais aberta ao diálogo com o governo brasileiro, de se acovardar.
A grande questão agora é como o ministro Alexandre de Moraes irá reagir ao descumprimento de suas determinações judiciais. Aparentemente, tudo o que Musk espera neste momento é uma reação impulsiva de Moraes para que sua tese, a de que os brasileiros estão submetidos à censura, seja comprovada. Um eventual bloqueio ou fechamento do X no Brasil também afetaria a popularidade do governo Lula e daria munição à extrema-direita para uma eventual CPI no Congresso Nacional sobre eventuais abusos de autoridade na condução do inquérito das fake news.
O caminho mais inteligente parece ser o de aproveitar as ameaças de Musk ao Brasil para fazer avançar a regulação das redes sociais, mas sem os vícios do PL 2630, que, em alguns de seus pontos, favorecia interesses econômicos dos grandes grupos de comunicação monopolistas, em especial da Globo. Para enfrentar o discurso de ódio e a desinformação nas redes sociais, o caminho passa pelo fim do anonimato, para que cada cidadão ou cidadã seja responsável pelo que publica, pela neutralidade dos algoritmos, para que discursos extremistas não sejam favorecidos, e pela proteção efetiva da liberdade de expressão, para que trabalhos jornalísticos contrários aos interesses hegemônicos não sejam censurados pelas próprias plataformas. Ao mover sua peça no tabuleiro, Musk pode ter criado as condições para um ambiente digital mais saudável no Brasil.
Leonardo Attuch é jornalista e editor-responsável pelo 247