“Uiraponga e o Avanço do Crime: Quando o Estado Perde a Autoridade” – Por Plauto de Lima

Plauto de Lima, coroel da reserva da PM-CE e mestre em Planejamento de Políticas Públicas.

Com o título “Uiraponga e o Avanço do Crime: Quando o Estado Perde a Autoridade”, eis artigo de Plauto de Lima, coronel da reserva da PMCE e Mestre em Planejamento de Políticas Públicas. “O maior desafio, hoje, não é apenas conter a violência visível, mas reconstruir a confiança nas instituições. Sem isso, o crime continuará ocupando o vácuo da autoridade, impondo ordens e governando onde o poder público se omite. A ausência do Estado não é apenas tática, é também simbólica e cotidiana”, expõe o articulista.

Confira:

A crise que se desenha em Uiraponga, distrito de Morada Nova, é mais do que mais um episódio de violência no Ceará. É o retrato do colapso da autoridade pública em determinadas regiões do Estado. Subimos mais um degrau na escalada da violência que nos assola há anos. Dessa vez, com a população sendo forçada a deixar suas casas por ordem direta do crime.

Segundo relatos de moradores e reportagens locais, as ameaças vêm ocorrendo há meses, com ações coordenadas de facções que dominam a área. O mais grave é que, diante desse cenário, não houve sequer cogitação por parte das famílias de acionar o Estado em busca de proteção. A única alternativa considerada foi obedecer. Isso diz muito sobre quem, de fato, exerce o controle territorial em certas áreas.

Mesmo com a presença posterior das Forças de Segurança, a população segue sem retornar às suas casas. O medo permanece. Isso revela algo profundo: a perda da fé no Estado. Já vimos esse padrão se repetir em bairros da capital, onde criminosos determinam o fechamento do comércio, impõem toques de recolher, proíbem festas e, muitas vezes, sem nenhuma resposta institucional imediata.

O maior desafio, hoje, não é apenas conter a violência visível, mas reconstruir a confiança nas instituições. Sem isso, o crime continuará ocupando o vácuo da autoridade, impondo ordens e governando onde o poder público se omite. A ausência do Estado não é apenas tática, é também simbólica e cotidiana.

É necessário reconhecer que a nova postura adotada pelo governo estadual, em 2025, representa um avanço. Aumento de operações, reações mais rápidas e algum reforço na inteligência policial indicam uma mudança de atitude. Contudo, isso não basta. Sem continuidade e sem articulação com o Judiciário, o Ministério Público e os programas sociais, tudo pode não passar de uma ação pontual.

O Ceará precisa romper com a lógica do improviso e construir uma política de segurança pública de Estado, e não de governo. Isoladamente, nenhuma iniciativa surtirá o efeito desejado. É preciso um esforço articulado e permanente, com investimentos reais em inteligência, investigação, fortalecimento das polícias e políticas de prevenção. A educação e a presença do Estado social também são armas essenciais nesse combate.

Meu maior temor é que essa nova postura se encerre em outubro do próximo ano, após as eleições. Isso, infelizmente, tem se repetido ao longo das últimas duas décadas. É justamente por essa razão que a violência caminha em curva ascendente. Enquanto a segurança pública for tratada como moeda de campanha, jamais avançaremos de forma duradoura. Ela continuará restrita a placebos e modelos de policiamento de ocasião — úteis para propaganda, mas incapazes de enfrentar a raiz do problema.

Porque, quando o crime dita as regras e o Estado obedece, já não vivemos sob o império da lei. Vivemos sob a tirania do medo.

*Plauto de Lima

Coronel da reserva da PMCE e Mestre em Planejamento de Políticas Públicas.

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